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Política / Eleições 2024

01/10/2024 16h54
Por Bernardo Mello

 

Mensagem foi direcionada por criminoso à primeira-dama da capital paraibana, Lauremília Lucena, que foi solta nesta terça-feira, após ser presa no sábado em operação da PF

RESUMO

Uma mensagem de áudio dirigida à primeira-dama de João Pessoa (PB), Lauremília Lucena, mostra o líder de uma facção criminosa prometendo apoio à reeleição do atual prefeito, Cícero Lucena (PP), seu marido. Segundo a Polícia Federal (PF), o áudio foi gravado por Keny Rogeus Gomes da Silva, conhecido como Poeta, líder da facção criminosa Nova Okaida no bairro São José. Na gravação, o criminoso cobra ainda da primeira-dama a substituição de funcionários de um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) que teriam sido indicados por políticos de fora de seu círculo de confiança.

O áudio, segundo relatório da PF, foi enviado no fim de abril pela presidente da ONG Ateliê da Vida, Taciana Batista do Nascimento, em um grupo de WhatsApp criado com Pollyana Monteiro Dantas dos Santos, mulher do traficante Poeta. O material foi apreendido na segunda fase da Operação Território Livre, deflagrada pela PF no último dia 10, e que levou à prisão de Pollyana e de Taciana. A primeira-dama Lauremília havia sido presa na terceira fase da operação, no último sábado.

Lauremília Lucena com o marido, o prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena — Foto: Reprodução/Instagram

 

Mas a Justiça Eleitoral da Paraíba decidiu pela soltura da primeira-dama e da sua secretária particular, Tereza Cristina. A juíza Maria Fátima Ramalho, da 64ª Zona Eleitoral de João Pessoa, optou por substituir a prisão preventiva por medidas cautelares.

ONG usada pelo tráfico

Segundo a investigação, a ONG era usada pelo traficante Poeta para captar recursos públicos para o grupo criminoso. A PF afirma que as mensagens do traficante “foram gravadas, provavelmente, no interior da cadeia”, citando a captação de ruídos de grades de cela e de outros presos no fundo do áudio. O traficante foi condenado em 2022 a 36 anos de prisão por liderar a facção criminosa, e está preso em uma penitenciária de segurança máxima na capital paraibana.

Um dos fatores que levou a PF a concluir que a destinatária do áudio é Lauremília é o fato de o homem se referir ao prefeito, Cícero Lucena, como “seu marido”. Na gravação, o criminoso cobra uma realocação de funcionários do CRAS localizado no bairro São José, sob responsabilidade da prefeitura, e menciona apoio à reeleição do prefeito e também ao vereador Valdir Dinho (PSD), presidente da Câmara Municipal.

“Doutora, eu venho pedindo isso a senhora há meses e não fui atendido. (…) Eu não quero saber, Doutora, quem é o político, ou quem deixa de ser, e pediram por eles. Porque aí, vai ser apoiado conosco dentro da comunidade é Dinho e o seu marido, Cícero Lucena, que estão sendo apoiados e vão ser apoiados pela comunidade. Entendeu? E o resto vai ser comigo, doutora. Porque minha palavra é uma só. (…) Então, que a senhora atenda esse pedido, doutora, porque é uma determinação minha”, disse o criminoso no áudio.

Na gravação, o criminoso também menciona outros vereadores que teriam influência na região, como Raíssa Lacerda (PSB) e João Corujinha (PP). Lacerda havia sido presa na segunda fase da operação da PF, há cerca de duas semanas, acusada de atuar junto a lideranças criminosas para impedir campanhas de adversários em determinados bairros. A vereadora também teve a prisão substituída por medidas cautelares.

No áudio, o traficante Poeta expõe uma divergência com cabos eleitorais da vereadora, e pede a transferência de funcionários ligados a ela que estavam lotados no CRAS São José.

“Eu quero a transferência de Juliana, Fábio Júnior, Maiara, Isadora e Cristina. Não me interessa qual político colocou lá. (…) Então quando a casa cai, cai de uma vez. Entendeu, Doutora? Não quero saber de Raíssa Lacerda, de Corujinha, não quero saber desse pessoal. Para mim, o que vale é a minha comunidade, e quem manda lá sou eu”, afirma o traficante.

Registros em redes sociais obtidos pelo GLOBO mostram a vereadora, em visitas ao CRAS, ao lado de funcionários com os mesmos nomes citados pelo traficante. Uma das acompanhantes da vereadora nas visitas é Jullyana Marinho Galdino, apontada pela PF como esposa do traficante Carlos Cristiano de Oliveira Vasconcelos, o Kiano, que fazia parte da mesma organização criminosa de Poeta.

“Visitando o CRAS São José e verificando o atendimento e cadastramento para o Auxílio Brasil. Equipe comprometida”, escreveu a vereadora em uma rede social, no fim de 2022, ao lado de funcionários identificados como Fábio Junior e Isadora.

Publicação da vereadora Raíssa Lacerda (PSB), alvo de operação da PF, indica proximidade com funcionários de órgão da prefeitura de João Pessoa — Foto: Reprodução/Redes sociais

Apontada como esposa do traficante Kiano, Jullyana — outro nome mencionado no áudio dirigido à primeira-dama — comentou a publicação da vereadora, lamentando por não aparecer na mesma foto: “Só faltou eu. Estou doente. Mas amo vocês”, escreveu.

Prefeito diz que mulher é alvo de ‘ilação’

Procurada, a assessoria do prefeito Cícero Lucena alegou que a primeira-dama é alvo de “ilação” da PF. Nesta terça, a juíza de primeira instância Maria de Fátima Lúcia Ramalho, da 64ª Zona Eleitoral de João Pessoa, revogou a prisão da primeira-dama. A juíza determinou que Lauremília use tornozeleira eletrônica e fique proibida de manter contato com outros investigados. O prefeito comemorou em suas redes sociais a soltura da esposa.

Antes, na sessão de segunda-feira do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PB), o desembargador Bruno Teixeira de Paiva havia dito que na investigação que corre contra a vereadora Raíssa Lacerda há cinco referências “esparsas” a Lauremília. O desembargador havia votado, na semana passada, para manter a prisão de Raíssa, posição que acabou referendada pelo TRE-PB na ocasião.

Raíssa, posteriormente, foi solta por decisão da juíza Maria de Fátima Lúcia Ramalho, da 64ª Zona Eleitoral de João Pessoa. A decisão, nesta terça-feira, obriga a vereadora a usar tornozeleira eletrônica e a não manter contato com outros investigados.

Apesar do comentário sobre a primeira-dama, não houve, na sessão de segunda-feira, análise de mérito da investigação contra Lauremília. O relator do caso da primeira-dama é o desembargador Silvanildo Torres Ferreira.

Em nota divulgada no site do TRE-PB após a publicação da reportagem, o desembargador Bruno Teixeira de Paiva afirmou não ter feito “análise da investigação que corre contra Lauremília, até porque o TRE entendeu que o relator é outro”. O desembargador argumenta ainda que o comentário sobre as referências “esparsas” se refere à investigação contra a vereadora Raíssa Lacerda, e não ao processo atinente à primeira-dama.

O desembargador Teixeira de Paiva foi o relator de um pedido de habeas corpus de Taciana Nascimento, presidente da ONG Ateliê da Vida, analisado na segunda-feira, e votou a favor do pedido. Por unanimidade, o tribunal concedeu a soltura de Taciana.

No caso da primeira-dama, antes da soltura determinada pela juíza da 64ª Zona Eleitoral na terça-feira, o TRE-PB já havia suspendido, na segunda-feira, em decisão liminar, os efeitos dos mandados de busca e apreensão contra ela. Embora Lauremília não tenha foro privilegiado, o tribunal avalia se a juíza de primeira instância que determinou a busca e apreensão tinha essa prerrogativa, já que a residência de Lauremília é a mesma do prefeito Cícero Lucena.

Procurada pelo GLOBO para comentar o áudio do traficante Poeta, a defesa de Lauremília afirmou que o prefeito, seu marido, “recebe o apoio de quem quer que seja, desde que de modo incondicional”. Sobre a primeira-dama, a defesa acrescentou que ela “é uma pessoa pública e conhecida de todos por seu trabalho assistencial, não apenas em João Pessoa, como em toda Paraíba”.

 

Com informações de O Globo