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Luis Carlos de León Pérez e a esposa, Andreina Gámez Rodríguez, canalizaram cerca de R$ 126 milhões e elaboraram plano para adquirir propriedade de 4 mil m² na capital do país sul-americano

Contratos verbais, transações vítreas por meio de empresas, esquemas labirínticos para ocultar o rastro do dinheiro. E saques transformados em residências exclusivas… O ex-advogado da Petróleos de Venezuela S.A(PDVSA) e diretor financeiro da estatal Eletricidade de Caracas, Luis Carlos de León Pérez, recebeu US$ 19 milhões (R$ 96,23 na cotação atual) do esquema investigado por saquear US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) da estatal venezuelana de energia.

É o que afirma um relatório da Unidade de Inteligência Financeira de Andorra (Uifand) ao qual o EL PAÍS teve acesso e que faz parte das investigações de um tribunal do principado dos Pirineus sobre o saque à empresa petrolífera.

O ex-advogado recebeu parte de sua fortuna por meio de uma rede corporativa complexa com tentáculos no Panamá, na Suíça e em Andorra, à qual pertencia sua esposa, Andreina Gámez Rodríguez. O casal canalizou US$ 25 milhões (cerca de R$ 126 milhões) e elaborou um plano para adquirir uma luxuosa propriedade de 4 mil m² em Caracas e quatro propriedades em Madri. Seus investimentos em imóveis totalizaram US$ 9 milhões (R$ 45,6 milhões).

A maior parte das transferências que alimentaram as contas do casal — algumas justificadas sob a cobertura de supostos “contratos verbais” — foi ordenada por meio de empresas de fachada (sem atividade). Nervis Villalobos, que foi vice-ministro de Energia do governo de Hugo Chávez entre 2004 e 2006, estava por trás desse mecanismo. Outro fluxo de fundos chegou ao ex-advogado da PDVSA por meio do suposto homem de fachada da rede, Luis Mariano Rodríguez Cabello, nascido em Caracas e que, de acordo com os documentos, movimentou € 1,1 bilhão (R$ 6 bilhões) por meio de 11 contas herméticas em Andorra.

Empresas de fachada

Formada por cerca de 30 ex-funcionários da poderosa empresa estatal e ex-líderes chavistas, a rede que saqueou a PDVSA operou entre 2007 e 2012. Ela incluía em suas fileiras membros proeminentes do ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013), como os ex-vice-ministros de energia Nervis Villalobos e Javier Alvarado. O grupo elaborou um esquema para ocultar a cobrança de comissões ilegais. Alguns membros supostamente recebiam 10% de empresários, especialmente chineses, que recebiam contratos públicos da empresa de energia e de suas subsidiárias.

Para ocultar o fluxo de fundos, o esquema movimentava seus saques por meio de uma rede opaca de contas no Banco Privado d’ Andorra (BPA), a 7,4 mil km de Caracas. A rede offshore circulava por cerca de 30 empresas na Suíça e em Belize.

De León, Villalobos e Rodríguez Cabello estão entre as cerca de trinta pessoas processadas em 2018 por um tribunal de Andorra. Eles são acusados de fazer parte de uma rede que cobrava comissões de empresários — principalmente chineses — em troca da facilitação de contratos públicos de energia na Venezuela.

Em agosto de 2008, o ex-vice-ministro chavista Villalobos usou sua empresa de fachada panamenha Lomond Overseas S.A. para assinar um contrato com uma das empresas opacas do ex-advogado da empresa estatal, a Ribston Investments. O suposto estratagema serviu para justificar uma transferência de US$ 5,5 milhões (quase R$ 28 milhões) sob o pretexto de supostos serviços de “assistência”.

Por meio de outra empresa sem atividade no Panamá, a Megana International Ltd, Villalobos também quitou uma suposta dívida de US$ 8 milhões (R$ 40,5 milhões) com a empresa do ex-advogado da PDVSA. Em ambas as transações, os investigadores andorranos acreditam que se tratava de uma transferência de fundos que não correspondia a uma atividade real, pois nem Villalobos nem De León forneceram documentos que comprovassem suas operações.

Para ocultar o dinheiro, De León e sua esposa tornaram-se clientes do BPA, a entidade onde os saqueadores da PDVSA esconderam seu roubo de US$ 2 bilhões entre 2007 e 2015.

O advogado administrou, por meio de veículos de finalidade específica, duas contas nessa entidade e foi titular de uma terceira entre 2008 e 2013. De León se apresentou ao banco em 2008 como um advogado de 48 anos. Ele disse que escolheu o principado — que até 2017 permaneceu protegido por sigilo bancário — por sua opacidade e segurança. E disse que planejava transferir fundos trimestralmente para o BPA, onde planejava trazer entre US$ 2,5 milhões e US$ 5 milhões (R$ 12,6 milhões e R$ 25,35 milhões), de acordo com o Know Your Customer, uma classificação de terceiro grau em que a origem dos fundos é explicada à instituição financeira, de acordo com os documentos.

Império de tijolos na Espanha

A esposa de De León, Gámez Rodríguez, uma venezuelana de 47 anos, controlou duas contas no BPA entre 2009 e 2014 em nome de veículos para fins especiais e manteve uma terceira. Quando entrou no banco, ela informou que precisava transferir € 1 milhão (R$ 5,4 milhões) para uma empresa em Madri para comprar um imóvel. Gámez Rodríguez foi listada em 2010 como única administradora e proprietária da empresa imobiliária de Madri Sansobino 1977. S. L. Em 2019, o último ano em que apresentou suas contas, a empresa acumulou ativos de US$ 2,8 milhões (R$ 14,2 milhões), de acordo com a plataforma mercantil Informa.

Além disso, de acordo com o registro de imóveis da Espanha, a empresa madrilenha da esposa de De León adquiriu em 2011 um apartamento duplex de 221 m² e três vagas de estacionamento no número quatro da rua Tahona, na capital espanhola. Gámez Rodríguez assinou um contrato em 2010 para adquirir a propriedade por US$ 2,5 milhões.

A fixação pelas construções não parou por aí. De León reservou em 2009, por meio de uma agência imobiliária espanhola, duas casas e quatro vagas de estacionamento avaliadas em mais de € 1 milhão. E sua esposa assinou um contrato no mesmo ano para comprar uma terceira propriedade em Madri, no empreendimento conhecido como Paseo de la Habana. O pacote incluía três vagas de estacionamento e custava € 665,5 mil euros (cerca de R$ 3,6 milhões).

O El País também teve acesso a um contrato de opção de compra que revela a intenção do advogado e de sua esposa de comprar a casa “Maricarmen” na cidade de Baruta, no estado de Miranda, na Venezuela, em dezembro de 2012. Com uma área construída de 800 m², a propriedade se estende por uma área de 4 mil m². O casal concordou em pagar US$ 5,2 milhões (R$ 26,3 milhões). O advogado da empresa de energia usou sua rede financeira em Andorra, que serviu como porta de entrada para transferir fundos para outros membros da organização. Suas contas transferiram US$ 8,4 milhões (quase R$ 43 milhões) para as contas de Villalobos e do ex-vice-ministro de energia chavista Javier Alvarado.

Além de seus charcos em Andorra, onde foi processado em 2018 por lavagem de dinheiro e por pertencer a uma rede de suborno, De León está envolvido em vários processos judiciais. Um tribunal do Texas emitiu um mandado de prisão para ele em 2017 e ele foi preso em Madri. E em 2018 ele foi condenado por violar a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA), de acordo com um documento da promotoria de Houston citado pelo Infobae. O El País tentou, sem sucesso, obter a versão de De León e de sua esposa por meio de seus advogados em Andorra.

Com informações da Agência O Globo