Foto: Reprodução/Internet

 

Como pode haver democracia num país em que o alto judiciário dá a si próprio o direito de mandar em tudo?

“Brasil continua a caminhar, agora com passo mais rápido, para uma situação de desordem. O encerramento de uma eleição presidencial é sempre o fim da guerra e o começo da paz, sobretudo se é você quem ganha. Não no Brasil de hoje. A eleição acabou, Lula, a esquerda e o STF ganharam — mas em vez de uma volta à normalidade o que está se vendo, por parte dos ganhadores, é a promoção das tensões, o esforço para eliminar adversários e o avanço das ações totalitárias. Lula disse em seu primeiro discurso depois da eleição que quer governar o país “para todos”, e não apenas para os que votaram nele. Seria excelente se ele tivesse realmente essa intenção — e os meios práticos para fazer o que promete. Mas os primeiros dias que se seguiram à proclamação dos resultados pelo TSE indicam o contrário de uma pacificação geral. O ambiente é de reforço do regime de exceção criado pelo alto judiciário nos últimos anos — e da emergência, em torno do novo presidente, de um PT e uma esquerda mais extremistas, mais violentos e mais empenhados do que nunca em demolir com a sua “democracia popular” — a única que aceitam — a democracia das liberdades públicas, dos direitos individuais do cidadão e do respeito à lei.

Qual a lei que permite ao chefe da “justiça” eleitoral se intrometer em greve de motorista de caminhão?

O movimento dos caminhoneiros, que bloqueou estradas por todo o Brasil em protesto contra o resultado das eleições (veja matéria nesta edição) foi, sem dúvida, um fator de agitação — e, além disso, uma agressão clara ao direito de ir e vir, ao impedir o uso das mesmas estradas para todos os cidadãos. O consórcio esquerda-mídia-judiciário, naturalmente, explodiu em indignação automática contra esses “atos antidemocráticos” e contra o que descreveu como a “conivência” do governo com os caminhoneiros. Mas não é aí que está o foco da infecção. De um lado, e em meio a exigências histéricas de repressão ao movimento, o presidente da República acabou tendo a atuação mais efetiva de todas para acalmar os ânimos, ao pedir o fim dos bloqueios e o cumprimento da lei. De outro, os indignados com as ameaças à “democracia” são exatamente os mesmos que continuam a desrespeitar as leis e a bloquear o funcionamento normal dos mecanismos democráticos — ou os que lhes dão apoio.

O que pode haver de democrático na atuação do ministro Alexandre de Moraes em relação aos caminhoneiros? O ministro, na sua condição oficial de presidente do TSE, expediu ordens, exigiu providências, ameaçou a Deus e a todo mundo com punições extremadas. Mas a eleição não acabou? O seu dever funcional não está encerrado? Qual a lei que permite ao chefe da “justiça” eleitoral se intrometer em greve de motorista de caminhão? Ou em qualquer coisa que não tenha a ver com as suas funções legais de organizador da votação e da apuração dos votos? Como faz com o seu inquérito perpétuo contra tudo o que ele considera “atos antidemocráticos”, Moraes parece estar criando a eleição sem fim — continua a baixar decretos como fez sem parar durante a campanha eleitoral. Se ele se permite a entrar no movimento dos caminhoneiros, que deve ser tratado — e foi — com os instrumentos legais em vigor, porque não entraria na lei do zoneamento urbano, no horário de funcionamento da alfândega ou naquilo que lhe der na telha? Ninguém iria dizer nada, a começar pelos seus colegas de STF; não disseram agora, não disseram em seus três anos de inquérito ilegal e não vão dizer nunca. O ministro Moraes criou um governo paralelo no Brasil. Imaginou-se que seu propósito era tirar o presidente Bolsonaro da presidência e colocar Lula no seu lugar. Conseguiu, junto com os seus colegas, aquilo que pretendia. Qual o sentido de continuar fazendo, depois das eleições, o que tem feito até agora? Perseguir os opositores do futuro governo Lula? Isso é desordem — um passo a mais na caminhada que começou quatro anos atrás, quando a esquerda e o STF não admitiram a vitória de Bolsonaro nas eleições e 2018 e lançaram o projeto de sabotar seu governo e de impedir a sua reeleição.

O último ataque feito por Barroso às instituições e ao sistema legal do Brasil é um despacho que revoga, para efeitos práticos, o direito à propriedade privada da terra

O ministro Moraes, naturalmente, não é o único a operar esse governo paralelo. Um dos seus acionistas mais agressivos é o ministro Luís Roberto Barroso. Ele está empenhado, cada vez mais, em impor aos cidadãos obrigações que não existem nas leis. Serve-se de seu cargo no STF para desapropriar os poderes do Congresso e para escrever legislação por conta própria. Pior que tudo, está socando em cima da população o modelo pessoal de Brasil que tem em sua cabeça. Não é o Brasil que está definido na Constituição Federal, ou no resto do sistema legal em vigência no país. Como outros colegas, Barroso acredita que esse estado de coisas está “errado”, que nem o Legislativo e nem o Executivo têm capacidade para consertar os erros e que cabe ao STF, portanto, a tarefa de “melhorar” a sociedade. É a “justiça propositiva”, ou “ativismo judicial”. O Brasil, de acordo com os seus princípios, tem de se comportar como o ministro Barroso e os colegas acham que deve, e não como a lei determina; o único desenho que serve é o desenho deles mesmos, excluindo-se todos os demais. E quem está em desacordo com o desenho dos ministros? Não teria o direito de argumentar que só o Congresso, onde é representado, tem autorização para decidir como a sociedade brasileira deve ser? Não, não tem direito a nada. Tem apenas de obedecer aos ministros e viver no país que eles querem.

O último ataque feito por Barroso às instituições e ao sistema legal do Brasil é um despacho que revoga, para efeitos práticos, o direito à propriedade privada da terra — rural e urbana, pelo que deu para entender. Ele vinha cozinhando a coisa já há tempo; assim que foi proclamada a vitória de Lula, anunciou a sua decisão. A partir de agora, os juízes não podem mais dar sentenças de reintegração de posse, devolvendo aos seus legítimos donos propriedades que foram invadidas — mesmo nas ações em que já se decidiu a desocupação das áreas. Tribunais de justiça estaduais e tribunais regionais federais devem instalar “imediatamente” comissões de “conflitos fundiários”, que passam a fazer “inspeções judiciais” e “audiências de mediação” antes de qualquer decisão que determine a devolução da área ocupada a seus proprietários. As “comunidades afetadas” têm de ser ouvidas e o seu “direito à moradia” tem de ser “respeitado”; não pode haver, “de forma nenhuma”, separação dos membros de uma família. Ou seja: de hoje em diante, segundo Barroso, o cidadão que teve a propriedade invadida não pode pedir que a justiça devolva o que lhe pertence legalmente; tem de negociar o seu direito com o invasor, dentro das tais “comissões”. Também não pode se defender por conta própria. E se o MST, ou os movimentos de “sem teto” não quiserem sair, ou se não for feito acordo nenhum na “comissão” durante os próximos 25 anos? Não se sabe.

É tudo absolutamente ilegal. Que lei permite ao STF fazer uma coisa dessas? Quem autorizou o ministro ou o STF a criarem regras que mudam o exercício do direito de propriedade? As “comissões” de que fala o despacho não existem na legislação brasileira; só existem no mundo mental de Barroso. Quem vai estabelecer quantos membros elas devem ter, quem serão eles, quais os procedimentos que se devem seguir, que prazos tem de ser cumpridos? Quem tem sua propriedade invadida faz o que, enquanto isso tudo não se resolve? A alegação, da pior qualidade, é que a propriedade tem de se subordinar a uma “função social”. E por acaso são os ministros do STF que decidem qual é a “função social” disso ou daquilo? É uma alucinação. O direito à propriedade faz parte das chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição — aquelas que não podem ser mudadas nem com a aprovação de um projeto de emenda constitucional. Está entre os direitos fundamentais do cidadão brasileiro, estabelecidos no artigo 5 da lei fundamental da nação. Mas e daí? Para o STF não existe cláusula de pedra, ou de qualquer material — a única coisa que vale é a vontade dos ministros. É democracia, isso? Como pode haver democracia num país em que o alto judiciário dá a si próprio o direito de mandar em tudo? Não pode; só pode haver tumulto.

Os militares, hoje, são a última barreira que separa o Brasil de uma ditadura esquerdosa, do modelo Venezuela-Cuba-Nicarágua, e garante as liberdades constitucionais para o cidadão brasileiro.

No mesmo momento em que ministro Moraes cria o estado de eleição perpétuo e o ministro Barroso revoga o direito à propriedade privada tal como ele é definido em lei, o PT se agita para jogar mais combustível na fogueira da desordem. Sua última ação é mexer com os militares. As Forças Armadas estão quietas desde que o general João Figueiredo encerrou o seu mandato como presidente da República, em 1985. De lá para cá, nunca mais interferiram em nada; não deram um pio durante os governos Lula-Dilma, não criaram problema nenhum para o regime democrático, não colocaram o mínimo obstáculo para a normalidade da campanha eleitoral ou para a volta de Lula à presidência. Têm agido de forma estritamente profissional e apolítica — não se sabe, francamente, o que estariam fazendo de errado, ou por que teriam de mudar alguma coisa. Mas o PT, mal encerrada a votação, já começa a inventar um “problema militar” no Brasil; na verdade, quer mudar os fundamentos que regem as Forças Armadas para transformá-las numa parte do aparelho petista, como um departamento qualquer lotado de companheiros” e obediente em tudo aos donos do governo.

Os militares, hoje, são a última barreira que separa o Brasil de uma ditadura esquerdosa, do modelo Venezuela-Cuba-Nicarágua, e garante as liberdades constitucionais para o cidadão brasileiro. O PT, já há muito tempo, quer eliminar esse estorvo aos seus projetos — acha que nunca conseguirá mandar 100% no Brasil enquanto as Forças Armadas forem o que são hoje. Agora, ainda a dois meses da posse de Lula, já falam em “reforma” do Exército, Marinha e Aeronáutica. Querem criar uma “Guarda Nacional” que substituirá Exército como a principal força armada do país e servirá de milícia para executar ordens do governo. Falam em eliminar o artigo 142 da Constituição, que prevê intervenção militar em caso de ameaça às instituições. Propõem um “comando político” para o Exército, e a substituição do atual sistema de promoções dos oficiais, baseado em critérios objetivos de mérito, por um modelo em que o governo nomeia quem sobe de patente. Pretendem mudar os currículos das academias de formação de oficiais — e fazer a “integração” das Forças Armadas brasileiras aos exércitos da “América Latina”, com o consequente rompimento de seus pontos de contato com o sistema de defesa dos Estados Unidos.

O que pode sair de bom disso aí? Rigorosamente nada — de novo, como no caso do STF, é uma agressão grosseira ao que está escrito na Constituição, e um fator de agitação pura e simples para a normalidade da vida nacional. Qual o problema concreto do Brasil que essas mudanças vão resolver? O que o brasileiro vai ganhar de útil com qualquer uma delas? Quem, a não ser o PT, tem o mínimo interesse em alguma dessas mudanças? Essa é, mais que qualquer outra, a questão central no Brasil de hoje — a ameaça objetiva à manutenção da democracia, através da anulação das regras constitucionais e da promoção da desordem. Com certeza, há preocupações sérias com a gestão da economia, com a volta da corrupção (agora garantida oficialmente pelas decisões do STF) e com a retomada do processo de destruição da Petrobras e outras estatais. Mas é a liquidação do regime democrático que aparece como o pior de tudo. O PT, a esquerda e o STF, mais a mídia em peso, estão falando há quatro anos que Bolsonaro é o maior perigo que jamais surgiu para a democracia brasileira; a única salvação era votar em Lula. Pois aí está: não há mais Bolsonaro nenhum, e querem continuar violando a lei para salvar as “instituições”, o estado de direito e todas as virtudes presentes sobre a face da Terra. É muito cedo, obviamente, para dizer que o governo Lula vai ser assim ou assado; ele não anunciou, sequer, os nomes dos seus principais ministros, nem deu alguma pista decente sobre o que pretende fazer, fora a declaração sobre um Brasil de “todos”. Sabe-se, com certeza, que a política fundamental de Lula é cuidar dos seus próprios interesses; se for bom para ele, qualquer coisa serve. Também é certo que nunca presidiu o país com um PT tão extremista como o de hoje, nem com um Supremo que se comporta como esse, e nem com uma mídia que está à esquerda de ambos. Se achar que o seu melhor interesse não está aí, a coisa tenderia a se acalmar. Se achar que a “democracia popular” lhe dará a chance de não sair nunca mais do governo, vai apostar tudo na desordem.”

Com informações da Revista Oeste/ JR Guzzo