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Kobe, Japão – A sociedade japonesa condicionou Takayuki Miyabe a ter medo da maconha desde a infância. Mas isso mudou quando sua filha pequena foi diagnosticada com uma forma rara de epilepsia.

Buscando desesperadamente por uma cura na internet, ele encontrou uma salvação inesperada: um derivado da canábis chamado canabidiol (CBD). Durante uma viagem de negócios à Califórnia, comprou um vidrinho marrom com o elixir, esperando por um milagre.

Miyabe não ficou desapontado. Semanas depois que a filha começou o tratamento, as convulsões pararam: “Minhas ideias sobre a maconha deram uma guinada de 180 graus.”

Agora, ele e a esposa estão desenvolvendo uma linha própria de óleo de canabidiol, juntando-se ao número crescente de empreendedores japoneses que desejam vender o produto a consumidores que foram orientados durante muito tempo a rejeitar tudo que tivesse relação com a maconha.

Não vai ser fácil. Enquanto a maioria das grandes economias começa a liberalizar as leis relacionadas à maconha, em meio às provas crescentes de seus benefícios médicos, o Japão se tornou ainda mais rígido em relação à droga, prendendo mais pessoas e ampliando, por meio de campanhas públicas e leis mais rígidas, a batalha contra o influxo de informações favoráveis à maconha vindas de fora do país.

Mas os proponentes no Japão esperam que o canabidiol – que tem alguns benefícios médicos comprovados, mas nenhum dos efeitos intoxicantes da maconha – possa se tornar uma porta de entrada para outras drogas.

A estratégia foi inspirada pelos EUA, onde notícias de jornal sobre a eficácia do canabidiol no tratamento de determinados tipos de epilepsia pediátrica ajudaram a mudar a mentalidade das pessoas a respeito da canábis em geral e levaram a amplas mudanças nas leis, de acordo com Naoko Miki, cofundadora da Green Zone Japan, ONG que faz campanha pela legalização da maconha no país.

O canabidiol é legalizado no Japão, graças a uma brecha regulatória, e seus supostos benefícios – desde a ação anti-inflamatória até o auxílio com o relaxamento e o sono – tornam o produto atraente. Analistas estimam que a demanda anual pelo suplemento no Japão poderá chegar a US$ 800 milhões em 2024. “Com o canabidiol, muitas pessoas que nunca se interessaram pelo uso médico ou recreativo da maconha começam a entrar no mercado. É como se uma nova porta se abrisse”, disse Miki.

Para empreendedores que esperam ganhar dinheiro com a “onda verde” iniciada pelo afrouxamento das leis relacionadas à maconha na América do Norte e nos EUA, o Japão é um mercado sedutor. A terceira maior economia e a sociedade mais idosa do mundo oferece um público ideal: consumidores idosos preocupados com a saúde, com renda disponível e um apetite voraz por suplementos que prometem curar seus males.

Mas, o Japão tem uma das leis mais restritivas em relação à maconha em todo o Oriente, região conhecida por sua intolerância às drogas.

Nenhum país da região chega perto de liberar o uso recreativo da maconha. Contudo, Taiwan e a Coreia do Sul legalizaram o uso medicinal da maconha depois das provas crescentes de sua eficácia. Além disso, a China é a maior produtora mundial de cânhamo industrial e produtos relacionados. (O canabidiol pode ser fabricado na China, mas não pode ser usado lá.)

A atitude rígida do Japão em relação à maconha é relativamente recente, segundo Junichi Takayasu, que dirige um museu sobre o tema no município de Tochigi, ao norte de Tóquio. Não há provas de que a planta tenha sido usada no passado como droga recreativa, mas o cânhamo aparece há muito tempo em rituais religiosos no Japão, por ser valorizado como um símbolo de pureza. Além disso, as plantações em larga escala eram fundamentais em um país com poucos recursos; as fibras do cânhamo eram usadas para fabricar tecidos e cordas até o fim da Segunda Guerra Mundial.

As forças americanas que ocuparam o Japão encorajaram a criação de leis que proibiam o cultivo da planta, assim como a posse ou o uso de suas folhas e flores, bem como de qualquer produto derivado.

Atualmente, apenas 20 agricultores estão licenciados para plantar maconha, geralmente para uso em santuários, onde é queimada em rituais de purificação ou usada para fazer nós cerimoniais.

A maioria dos japoneses, que desconhecem o longo histórico da planta no Japão, adotaram a linha do governo a respeito da substância, afirmou Takayasu.

Entretanto, as atitudes estão mudando. O número de japoneses que afirmaram usar maconha mais do que dobrou ao longo da última década, chegando a quase dois por cento dos entrevistados, de acordo com dados do governo. As autoridades atribuem esse aumento ao retrato positivo da substância em outros países. (Em comparação, quase metade dos norte-americanos diz que já provou a droga.)

Os números são baixos, mas para as autoridades japonesas representam uma enorme mudança. Em janeiro, o Ministério da Saúde do Japão convocou um painel com o objetivo de considerar possíveis medidas para lidar com essa nova realidade. Os participantes avaliaram as provas médicas da maconha, incluindo seu impacto social, de acordo com Tsutomu Suzuki, médico responsável pelo grupo: “Se a eficácia e a segurança da substância forem comprovadas, ela deve ser usada como fármaco. Mas precisamos reprimir ainda mais seu uso recreativo.”

Em junho, o relatório final do grupo tentou marcar essa diferença. Por um lado, recomendou a regulamentação dos compostos químicos da maconha, em vez de suas folhas e flores, como aparece atualmente na lei. Em teoria, a mudança facilitaria a importação de produtos que contenham apenas traços de THC (tetra-hidrocanabinol), a molécula responsável pelos efeitos intoxicantes da maconha.

O relatório também recomendou a permissão de experimentos envolvendo fármacos derivados da maconha, como o Epidiolex, medicamento anticonvulsivante feito a partir do canabidiol. (O Japão exige que todos os medicamentos sejam testados no país.) Mas não mencionou o uso medicinal da maconha.

Ainda assim, o foco principal do relatório era combater a popularização da maconha, inclusive transformando seu uso em crime. O texto afirmou que, de acordo com o atual regime legal, as pessoas “provavelmente entenderão que o uso da maconha está liberado”.

As prisões por posse da droga praticamente dobraram nos últimos cinco anos, superando pela primeira vez em 2020 a marca dos cinco mil casos, segundo dados da polícia. Este ano, o número de prisões será muito mais alto.

As punições no Japão geralmente são brandas. Ainda assim, os detentos correm o risco de perder o emprego ou de ser expulsos da universidade, apontou Michiko Kameishi, advogada de defesa e defensora da legalização da maconha em Osaka. A sociedade pode ser implacável. “No Japão, é muito mais fácil questionar alguém que desrespeita a lei do que questionar a própria lei.”

Embora as autoridades não tenham exatamente encorajado a indústria do canabidiol, veem-na em grande parte como benigna. As empresas começaram a vender o produto por volta de 2013, depois de terem percebido que ele se encaixava em uma brecha legal que permite a importação de produtos derivados do caule e dos galhos da maconha, desde que não contenham THC.

As vendas cresceram rapidamente desde então. Atualmente, cafés chiques em Tóquio vendem óleos, bala de goma e cerveja com canabidiol. Os produtos estão disponíveis na Don Quixote, uma das maiores redes de lojas de produtos de baixo custo do país, e nos dois maiores sites de e-commerce do Japão.

Ayumu Fukuda abriu um café que vende produtos com canabidiol nos arredores da agitada estação de Shibuya depois de ter conhecido o suplemento na Califórnia, onde estava fazendo uma campanha de divulgação para Marie Kondo, a guru japonesa da organização pessoal. Ela acredita que o produto será um sucesso entre os habitantes estressados de Tóquio, desesperados por um pouco de relaxamento: “O país precisa de algo que ajude as pessoas a se libertar espiritualmente.”

Ainda assim, muitos empreendedores do canabidiol tentaram dissociar o produto da maconha, evitando, por exemplo, embalagens que mostrem as folhas pontiagudas da planta. “A esta altura, eu não sugeriria que se legalize a maconha. Faço parte do mercado do canabidiol. Não estou fazendo isso por ativismo”, disse Priyanka Yoshikawa, ex-miss que lançou uma linha de produtos para a pele com canabidiol.

Miyabe, no entanto, vê as coisas de outra maneira. Quando soube do canabidiol, sua filha já tinha passado por uma cirurgia complexa no cérebro. As convulsões cada vez mais graves atrasaram seriamente seu desenvolvimento cognitivo.

Segundo os médicos, para tratar sua condição, eles provavelmente teriam de fazer uma segunda operação que poderia causar danos permanentes. Poucos estavam dispostos a considerar o canabidiol como forma de tratamento.

Sua experiência positiva com o suplemento fez com que ele se perguntasse quais outros benefícios a canábis tem a oferecer. “Se tivéssemos conhecido o canabidiol mais cedo, talvez ela não tivesse precisado da primeira cirurgia”, comentou Miyabe, enquanto via a filha brincar no parque com a irmã mais nova.

Com informações do The New York Times Company