Foto: ANTONIO MOLINA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDOO
presidente Jair Bolsonaro é acusado por parte de seus críticos de preparar um golpe de Estado
Dar um golpe de Estado, ao contrário do que acham os editoriais, os cientistas políticos de esquerda e o governador João Doria, não é um negócio assim tão simplesinho
Muito bem: e esse golpe de Estado “do Bolsonaro”? Sai ou não sai? Para quando é, afinal? Já agora, para o dia Sete de Setembro, junto com as manifestações pró-governo e anti-Supremo? Quando os caças Grippen da Força Aérea Brasileira chegarem enfim da Suécia e puderem quebrar os vidros do STF em Brasília, rompendo a barreira do som com voos rasantes sobre o seu edifício-sede? Quando os caminhoneiros fecharem a Transamazônica? Na próxima vez que os ministros derem “três dias de prazo” para o presidente da República fazer isso ou aquilo? A verdade é que todo mundo fala, fala e ninguém diz o mais importante: que dia e a que hora, afinal das contas, vai sair esse golpe de Estado. Isso a Globo não diz. Ninguém diz.
Há algum tempo, não se sabe bem quanto, a mídia, a classe política, a nebulosa chamada “elite brasileira” e o universo intelectual-liberal-radical que toma vinho, lê jornal e se atormenta com a “variante delta” praticamente não falam de outra coisa: o golpe que será dado em algum momento por Bolsonaro ou, então, pelo seu primo-irmão, o conjunto de “atos antidemocráticos” que estão em tudo, em todas as pessoas e em todos os lugares ao mesmo tempo.
Os editoriais vão assumindo um tom cada vez mais desesperado. Os jornalistas de televisão, entre um e outro momento de indignação com a ausência de máscaras nos estádios de futebol, veem um golpista atrás de cada poste de luz. Os políticos de “esquerda” vivem em histeria plena e permanente. E por aí vamos.
Quem estaria disposto a tirar do bolso uma nota de 2 reais para defender o STF?
Não é só conversa. O ministro Alexandre de Moraes, chefe de polícia do STF para a vigilância da boa ordem constitucional, despacha furiosamente num inquérito (100% ilegal) para descobrir atos “antidemocráticos”, reprimir a circulação de fake news e tornar as redes sociais seguras para a democracia. O corregedor de uma das dependências do supremo, o “TSE”, proibiu as plataformas digitais de pagarem as somas em dinheiro devidas para canais de comunicação de direita. O STF prende gente, como se fosse uma delegacia de polícia – pouco ligando para o que o Ministério Público, o único órgão oficial autorizado por lei a pedir a prisão de alguém no Brasil, acha ou não acha disso. Um deputado federal em pleno exercício do seu mandato está preso – continua sendo deputado, mas tem de ficar em casa com tornozeleira eletrônica. O cantor caipira Sérgio Reis é chamado a depor na Polícia Federal. A CPI da Covid tem acessos repetidos de neurastenia.
Só mesmo uma ditadura de verdade, tipo essa com a qual nos ameaçam para qualquer momento, seria capaz de fazer tudo isso ao mesmo tempo – mas estamos no Brasil, e no Brasil de hoje é assim que funcionam as coisas; para manter intacto o Estado de direito, o STF tem o direito e o dever de mandar a Constituição Federal para o diabo que a carregue. Nada disso, é claro, está tirando o sono do brasileiro que chacoalha todo dia no trem da Central, acorda às 4 da manhã para pegar no serviço e carrega no braço saco de cimento para a obra. O golpe “do Bolsonaro”, aí, não assusta ninguém – a maioria, por sinal, ficaria a favor se fosse consultada. O povo acha que golpe só faz mal para “político” – e político, na sua opinião, é “tudo ladrão safado”. Fica chato dizer isso? Fica. Mas é assim. Não esperem, portanto, o povão nas ruas, indignado com a “ruptura da ordem democrática”. Quem estaria disposto a tirar do bolso uma nota de 2 reais para defender o STF? E o Senado Federal? Esquece.
Então: “Bolsonaro” e os “setores antidemocráticos” dão o golpe – aí o que acontece, na prática? Vão fechar o Supremo e, caso sim, vão fazer o que com os onze ministros? Prende? Deixa solto? Põe o que no lugar do STF? A máquina da justiça precisa continuar funcionando; não vão parar as ações de despejo ou de cobrança. Outro problemão é o Congresso. Fecha? Cassa mandato? Joga fora a papelada da “CPI”? O que vão fazer com a reforma tributária? Fica tudo igual? Estão marcadas para 2022, com voto eletrônico tal como quer o ministro Barroso, eleições para presidente, governadores de Estado, Congresso e assembleias legislativas. É preciso definir se elas vão ser mantidas ou suspensas, e, caso forem suspensas, quando vai haver eleição de novo. Quem pode ser candidato? Lula, por exemplo: pode ou não pode? Com certeza não pode, mas – vai saber. Outra coisa: o que o golpe vai fazer com os atuais governadores? E se os 27 aderirem, numa decisão corajosa em favor da estabilidade e da pátria – não se cassa ninguém? São Paulo vira um Estado independente, em caso de rebelião contra o novo governo federal? Vai ter uma Marinha, ou uma Força Aérea?
Há, naturalmente, a questão de colocar a tropa na rua – onde, exatamente, e para fazer o que, exatamente. É indispensável decidir, antes, qual o serviço a ser feito aí pelo general “A” e pelo coronel “B”. Vai ter tanque? O tanque pode atirar? A tropa, aliás, estará autorizada a dar tiro – ou dá para resolver tudo com bala de borracha? (Em geral, dá e sobra.) No dia do golpe vai ter de estar resolvido, também, quem assume o comando das polícias militares dos Estados. É gente armada; não dá para decidir na hora. O novo regime também precisa resolver o que será feito com a imprensa. Censura? Pré ou pós? Tira a Globo do ar? Sabe-se como se entra nessas coisas; raramente se sabe como sair. Outra questão é como comunicar o golpe aos países estrangeiros – e, muito mais que isso, como reagir, na vida real, à enorme barulheira que um negócio desses vai provocar lá fora, durante anos a fio. A lista das tarefas a fazer vai por aí afora; é certo que ela precisa estar pronta antes de se mexer no primeiro blindado. É nisso que está tudo o que realmente interessa, mais do que em qualquer ponto dessa conversa fiada sem limites que mídia e classe política despejam o dia inteiro em cima do público. Talvez o presidente da República e o seu núcleo decisor já tenham um plano desses há muito tempo, trancado num computador secreto e pronto para ser colocado em execução. Talvez não tenham. Se não têm, então não têm nada.
Com informações da Jovem Pan