CARTA-ABERTA AO SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR- GERAL DA JUSTIÇA ELEITORAL

 

Excelentíssimo Ministro Luis Felipe Salomão. O respeito, a cordialidade, a lhaneza e o apreço marcaram os longos anos de nosso convívio aqui no Rio. Eu, advogado. O senhor, Juiz e depois desembargador do Tribunal de Justiça, o TJRJ. Nenhum de nós visitou a casa um do outro.

Nenhum de nós teve intimidade com o outro. Mas no Fórum, e fora dele, o trato sempre foi marcado por reverência, carinho, cordialidade, atenções e tudo que de mais nobre deve pontificar a relação entre advogado e juiz.

Sim, carinho. Carinho porque era com este sentimento que eu penteava e ajeitava o colarinho da camisa e a gravata de seu querido Pai, o também advogado doutor Salim Salomão, nos dias de sua participação no programa “Pensando Em Você”, programa diário e ao vivo, das 18 às 19 horas, de segunda à sexta. Programa que se manteve no ar por três anos e dedicado à defesa do consumidor, na TV Educativa, hoje TV Brasil. E na banca de debatedores — sob o comando do apresentador José Carlos Santos Cataldi, que a Covid o levou no 25.3.2021 —-, sempre sentávamos um ao lado do outro.

Num dos dias em que o filho do Doutor Salim, o então Juiz Luis Felipe Salomão, participou do programa, num deles o senhor me deu proteção. Fui literalmente protegido contra uma iminente agressão de um deputado estadual que naquele dia, convidado, também integrou a banca de debatedores do programa. Ele e eu nos desentendemos, desde a sala da produção do programa e mesmo quando o “Pensando Em Você” estava no ar.

O “bate-boca” quase tirou o programa do ar. Ele, alto, forte, tom de voz intimidativo, bastante agressivo. E antes e durante o programa, o parlamentar se irritou quando lhe disse que sua lei, que proibia a instalação no Estado do RJ de fábrica de cigarros e que foi aprovada pela Assembleia do Rio, era lei inócua. Primeiro, porque no Rio não existia mais fábrica de cigarro. Segundo, porque a lei não previa nenhuma penalidade. Com medo de ser por ele agredido na saída do prédio da tevê, e tendo dito baixinho ao Juiz Dr. Salomão, que na bancada estava sentado ao meu lado,

Dr. Salomão, tenho medo que este deputado me agrida lá fora, na saída do prédio. Me proteja, por favor”, o senhor me ouviu e me atendeu. Ao término do programa, o senhor, também alto e forte, colocou sua mão no meu ombro e comigo ao lado me deu proteção. Juntos, atravessamos o pátio da emissora que ficava na Rua Gomes Freire, passamos bem perto do tal deputado e fomos para a calçada e o senhor me colocou dentro de um táxi.

Também tivemos relações respeitosamente carinhosas entre seu irmão, o então Juiz Paulo César Salomão e eu. Certo dia, do corredor, vi o Juiz Paulo Cesar Salmão, de toga, presidindo uma audiência numa vara de falência. Não hesitei. Vagarosamente entrei na sala. Fui até ele, que imediatamente se levantou quando dele me aproximei. E dei-lhe um apertado e demorado abraço. Em seguida, beijei seu rosto. Ele precisava daquele abraço e daquele beijo. Eram tempos difíceis.

Não trocamos uma palavra. Foram apenas gestos. Gestos silenciosos que falavam por si só, que dispensavam palavras e que traduziam solidariedade e máximo respeito e carinho..

São fatos e momentos que não me esqueço, jamais. E que me dão força e amparo para escrever ao senhor esta Carta-Aberta. Senhor Ministro, sua decisão de 16 de Agosto de 2021, no Inquérito Administrativo nº 0600321-71.2021.6.00.0000 é dura demais. Também sinto-a um tanto maculada pela falta de oportunidade de prévia oitiva dos que por ela foram atingidos.

Sim, sei que o senhor é o Ministro-Corregedor do Tribunal Superior Eleitoral e que, pelo cargo, tem poder e competência para subscrever a referida decisão. Mas de súbito, do dia para noite ou da noite para o dia, “desmonetizar”, ou seja, retirar o pagamento da publicidade, que é o ganha-pão de sites, plataformas, perfis, blogs, canais, e congêneres, é pena desmedidamente dura demais.

Nem a revogada Lei de Imprensa (nº 5250/1967) previa punição tão drástica, por mais cruel que tivesse sido o crime perpetrado pelos meios de comunicação, lei que vigorou numa época em que não existia internet. Lendo as 15 páginas da decisão de Vossa Excelência, nela não vi registrada uma linha, uma palavra sobre a voz, a defesa, a argumentação dos que foram atingidos por tão dura punição. É sinal que o contraditório inexistiu. Tanto é verdade que somente perto do final da decisão, o Senhor Ministro-Corregedor do TSE registra que

“Eventuais manifestações dos interessados envolvidos em função desta decisão deverão ser autuadas em separado, a fim de que as investigações possam ter adequado prosseguimento”:

Perdão, Senhor Ministro Luis Felipe Salomão, as “manifestações dos interessados (atingidos, entendo eu)” deveriam ter ocorrido antes, para só depois o Senhor Ministro decidir. Observo que o essencial — tal como o direito de defesa — ficou para depois. Tanto é que no penúltimo parágrafo Vossa Excelência convoca, para uma data ainda não fixada, uma reunião com os representantes legais do YouTube, Twitch TV, Twitter, Instagram e Facebook “para participar de reunião com as equipes técnicas do Tribunal Superior Eleitoral e da Polícia Federal, em data a ser definida”, visando o ajuste na execução da ordem que Vossa Excelência expediu.

Não se está aqui defendendo o extrapolamento do direito à liberdade de expressão, de informação, do pensamento…Não, não é isso. Nem ataques às instituições e ao sistema eleitoral, a respeito das quais todo o cidadão tem a prerrogativa de se manifestar nos limites do razoável, do sensato, do plausível, do probo, da elegância.

Tudo, portanto, dentro da urbanidade e da civilidade. Mesmo porque as instituições, e entre estas o Tribunal Superior Eleitoral, são sobranceiras, tanto quanto o Supremo Tribunal Federal. A força do Direito sempre é mais forte frente a qualquer outra que a ela se oponha. O brado que se lança aqui é o da ritualidade, do adequado processamento que, no meu sentir, não foi observado. Salvo engano, nem mesmo uma advertência precedeu à adoção de medida tão extremada, que é tirar a fonte financeira de sobrevivência da pessoa humana, da pessoa natural, da pessoa jurídica.

Por fim, encareço ao Senhor Ministro-Corregedor do TSE que reveja a decisão em tela e a suspenda, até que as partes atingidas apresentem suas defesas, face às denúncias que contra elas venham ser previamente apresentadas e enviadas, a fim de que possam exercitar o sagrado direito de defesa.

As “manifestações dos interessados…” não podem ser “eventuais“, nem apresentadas depois para serem “autuadas em separado“. Ou seja, defesa posterior e fora dos autos do processo!. É mesmo surpreendente.

Aqui me despeço. Estou aposentado. Não advogo mais, embora mantenha minha inscrição da OAB do Rio e continuo Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

E vez ou outra escrevo artigo jurídico, sem partidarismo político. Apenas jurídico, tal como este. De Vossa Excelência,

Jorge Béja
Advogado