Last updated on setembro 19th, 2021 at 08:57 pm
Quando uma onda de calor invadiu o Canadá e os Estados Unidos no final de junho –matando cidadãos idosos sozinhos em suas casas e provocando incêndios que destruíram todo um povoado–, cientistas atribuíram as altas temperaturas à queima de combustíveis fósseis.
Uma semana depois, eles avaliaram a extensão do problema.
As mudanças climáticas com que o recorde de temperatura na América do Norte fosse 150 vezes mais provável e 2 °C mais quente, afirmou na 5ª feira (8.jul.2021) um breve estudo elaborado por uma equipe internacional de 27 cientistas da WWA (World Weather Attribution Initiative). As temperaturas bateram recordes no Oregon e em Washington, nos Estados Unidos, e na Colúmbia Britânica, no Canadá. Elas alcançaram uma máxima de 49,6 °C –algo que os pesquisadores apontam como “praticamente impossível” sem as mudanças climáticas.
O estudo, que ainda não foi revisado por outros cientistas, é o exemplo mais recente de pesquisadores usando modelos para rapidamente avaliar o papel das emissões de gases de efeito estufa no agravamento de climas extremos. As descobertas dissipam o mito dominante nos países ricos de que a mudança climática só prejudica quem está longe ou só trará danos em um futuro distante.
“Estamos adentrando território desconhecido”, disse a coautora do estudo Sonia Seneviratne, do Instituto de Ciências Atmosféricas e Climáticas do ETH (Instituto Federal de Tecnologia) de Zurique, na Suíça. “Temperaturas muito mais altas serão registradas se não conseguirmos frear as emissões de gases de efeito estufa e o aquecimento global.”
As elevadas temperaturas –que teriam matado centenas de pessoas, segundo estimam as autoridades– excederam tanto os registros históricos que os pesquisadores tiveram que quebrar a cabeça para entender exatamente com que frequência tal onda de calor poderia ser esperada. Com base no clima atual, concluíram, tais temperaturas ocorreriam uma vez a cada 1.000 anos. Eles elaboraram então duas teorias sobre por que ficou tão quente.
Uma explicação é que uma combinação de seca preexistente e condições atmosféricas não usuais –uma bolsa de calor detido no local por um desvio da corrente de ar– tenha se somado às mudanças climáticas para aumentar drasticamente as temperaturas. “O equivalente estatístico de uma baita má sorte, embora agravada pelas mudanças climáticas”, resumiram os autores.
Outra possibilidade, esta mais preocupante, é que o sistema climático já possa ter cruzado um limiar em que pequenas quantidades de aquecimento aumentam as temperaturas mais rápido do que o observado anteriormente. Se isso for verdade, significaria que tais ondas recordes de calor já se tornaram mais prováveis do que os modelos climáticos atualmente prevêem.
“O que estamos vendo é algo sem precedentes”, disse a coautora do estudo Friederike Otto, do Instituto de Mudança Ambiental da Universidade de Oxford. “Trata-se de um evento tão excepcional que não podemos descartar a possibilidade de estarmos vivenciando hoje extremos de calor que esperávamos atingir apenas em estágios mais avançados do aquecimento global.”
Os registros anteriores de calor foram “pulverizados” por margens tão grandes que “algo mais deve estar acontecendo”, disse Stefan Rahmstorf, chefe de Análise do Sistema Terrestre do Instituto para Pesquisa de Impacto Climático de Potsdam, na Alemanha, que não participou da investigação. “O estudo é válido e de alto nível.”
Como as mudanças climáticas afetam as ondas de calor?
A mudança climática tornou as ondas de calor mais quentes, mais duradouras e mais frequentes. Ao queimar combustíveis fósseis –que liberam gases que prendem o calor do sol na atmosfera como uma estufa–, os humanos aqueceram o planeta cerca de 1,1 °C acima dos níveis pré-industriais. Com isso, aumentam as chances de temperaturas recordes.
Lytton, um vilarejo na província canadense da Colúmbia Britânica, quebrou o recorde de temperatura do país em 2 de julho, quando os termômetros marcaram quase 5 °C acima do recorde anterior de 45 °C.
No dia seguinte, um incêndio florestal assolou o local.
“Somos uma comunidade pequena, rural, indígena e de baixa renda e estamos na liderança da mudança climática”, disse Gordon Murray, um morador que escapou de Lytton, em entrevista concedida na sexta-feira à emissora pública CBC News. “Mas está vindo para todos. Nós somos o canário na mina de carvão.”
Como as ondas de calor afetam a saúde?
As ondas de calor, que estão entre os desastres mais mortais dos últimos anos, estressam o corpo humano. O clima quente agrava condições de saúde preexistentes, como doenças cardíacas, pulmonares e renais, bem como diabetes. Ele também é particularmente prejudicial a idosos, crianças pequenas, trabalhadores da construção civil e pessoas sem teto.
Como o noroeste dos EUA costuma ter um clima frio e geralmente chuvoso, menos casas têm ar-condicionado lá do que nos estados do sul. No Oregon, as autoridades estimam que 107 pessoas, em sua maioria com 60 anos ou mais, morreram de causas relacionadas ao calor durante o pico de temperatura.
Como as temperaturas no Oregon permaneceram altas durante a noite, as pessoas não conseguiram se recuperar do calor, explica Brandon Maughan, médico do setor de emergência da Universidade de Medicina e Ciência do Oregon. A instituição fica na maior cidade do estado, Portland, que experimentou um calor escaldante durante três dias no final de junho, alcançando um pico de 46,7 °C. “Muitas pessoas acharam que aguentariam o calor como nos verões anteriores. Mas isso é completamente diferente.”
Em um ano normal, acrescenta, os hospitais do Oregon tratam muitas pessoas acometidas de exaustão pelo calor –que podem ser tratadas em casa enquanto se sentem mal–, mas poucas pessoas chegam com sintomas de insolação mais grave. “Neste ano, vimos mais disso acontecer.”
Um estudo publicado em maio pela revista Nature Climate Change concluiu que uma em cada 3 mortes provocadas pelo calor durante as estações quentes desde 1991 pode ser atribuída às mudanças climáticas. A onda de calor na América do Norte mostra que “os sistemas de adaptação atuais não estão preparados para eventos tão extremos”, disse Ana Vicedo, líder do grupo para mudança climática e saúde da Universidade de Berna, na Suíça, e coautora do estudo.
Durante o verão europeu de 2003, uma onda de calor –tornada duas vezes mais provável pelo aquecimento global–, matou mais de 70.000 pessoas. Só em Paris, as mudanças climáticas aumentaram o risco de morte por calor em 70%, levando a mais de 500 mortes.
Como se cuidar durante uma onda de calor
Para se manter refrescadas, as pessoas podem recorrer a locais públicos com sombra ou ar condicionado e água potável –também é importante ficar de olho em idosos e outros vulneráveis.
Isso pode ser mais complicado nas áreas urbanas, onde edifícios de concreto e estradas de asfalto absorvem o calor e aumentam as temperaturas ainda mais do que na zona rural. Governos locais poderiam amenizar o problema projetando cidades com mais árvores, parques e canais.
Mas ainda que as pessoas possam se adaptar a temperaturas mais altas, os cientistas enfatizam que a política climática para interromper as emissões é o que por fim decidirá a duração, a força e a frequência das ondas de calor.
Em 2015, líderes mundiais prometeram limitar o aquecimento global a bem menos do que 2 °C acima dos níveis pré-industriais. Mas em vez disso, as políticas atuais deverão aquecer o planeta em cerca de 3 °C, avalia o grupo de pesquisa alemão Climate Action Tracker.
Segundo o estudo da WWA, um aquecimento global de 2 °C tornaria ondas de calor como a da América do Norte tão prováveis que elas ocorreriam a cada 5 ou 10 anos.
Com informações do Poder 360