Katy Azula, de 45 anos, esfrega os olhos na frente de um café. Está sentada à mesa de uma moderna cafeteria em Lima. Uma luminária de estilo vanguardista em forma de oito está pendurada no teto. “Nunca estive tão deprimida”, confessa. Dormiu pouco. Passou a noite checando o site do órgão eleitoral que informa em tempo real a contagem de votos que decidirá a reta final da eleição presidencial do Peru entre o esquerdista Pedro Castillo e a conservadora Keiko Fujimori, dois candidatos populistas cujas eleições polarizaram o país. Nesta quinta-feira, mais um ingrediente se somou à reta final do pleito. O promotor José Domingo Pérez, que lidera a investigação contra Fujimori e mais de 30 réus por lavagem de dinheiro, organização criminosa e obstrução da justiça, pediu à justiça que ordene a prisão preventiva da candidata. Ela é acusada de lavagem de dinheiro, produto das contribuições ilegais supostamente recebidas pelo patrocinador das campanhas eleitorais de 2011 e 2016.Azula, gerente de hotel, tem o perfil do eleitor de Castillo. Nasceu em Chota, uma cidade na mesma região serrana de onde ele vem. Seus pais eram professores, como ele. Ela acredita no esforço e na educação como fórmula para o progresso, algo que sempre foi mencionado pelo candidato que fez campanha com a cabeça coberta por um chapéu de palha e um lápis gigante nas mãos. No entanto, Azula votou em Keiko Fujimori. Não acredita no estatismo econômico que Castillo proclama. “Entrei, votei e saí o mais rápido possível. Não quero me lembrar dessa passagem da minha vida”, diz ela, como se confessasse um crime.Sempre foi antifujimorista, desde os anos 1990. Jurou que nunca apoiaria alguém com esse sobrenome, que para muitos peruanos representa autoritarismo e corrupção. Mas na noite de terça-feira entrava na internet com a esperança de que Keiko Fujimori conseguisse superar Castillo no último minuto. “Ela já perdeu. Deve ser dito com todas as letras”, acrescenta. A espera até que esse momento seja oficial está se mostrando torturante. Azula apagou nas suas redes sociais amigos e familiares que se deixaram levar pela paixão do momento.

As elites econômicas do país fizeram campanha por Fujimori sem dissimulação. A chegada de Castillo, para muitos, significa o advento de uma espécie de chavismo à peruana. Ele tentou afugentar todos esses temores. Fez campanha à margem e contra o establishment. De acordo com a contagem, está a um suspiro de usar a faixa presidencial. Seus partidários chegaram em massa a Lima, a capital, o centro do poder, vindos das províncias e das áreas mais remotas do país com um sorriso nos lábios.

Nancy Cabrera, dona de uma mercearia, chegou na manhã desta quarta-feira de ônibus à cidade grande. “Não vamos permitir que nosso voto seja roubado. Os corruptos estão entrincheirados há 30 anos. Ele é professor, líder sindical, agricultor, humilde. Vai zelar pelas serras”, diz sobre os lugares montanhosos, em geral, pobres, embora ao seu redor existam minas de ouro. Uma das reivindicações de Castillo é que as empresas extrativistas estrangeiras compensem melhor os habitantes dessas regiões.

Desde domingo seus seguidores estão posicionados em torno da sede de seu partido. Às vezes ele aparece na sacada e as pessoas enlouquecem. Castillo não é um orador brilhante, mas isso lhe dá uma certa autenticidade que o faz se conectar com as pessoas. Costuma-se dizer que Castillo é um espelho de seus eleitores. Seus comícios eram os mais cheios de gente. Marta Celi, advogada de Carabayllo, um bairro de Lima aonde chegou uma enxurrada de imigrantes vindos da selva e das montanhas, incluindo o próprio Castillo, que ali vendeu sorvetes, dorme a céu aberto em frente ao Júri Nacional de Eleições, órgão que irá decretar o vencedor oficial. “Estou cansada de tanta desigualdade e injustiça em meu país. Somos de um lugar humilde, com muitas necessidades de água e serviços”, explica. Perto dali, um retrato gigante de Castillo de terno e gravata, sem chapéu. Essa é a sua futura imagem de presidente. “Vamos esperar aqui até que se saiba o resultado. Até que ele ganhe.”

Do lado de fora de um supermercado, uma mulher de língua quíchua carregando seu bebê em uma manta nas costas ganha a vida vendendo doces em um bairro nobre de Lima. Em quem você votou? “Na Keiko”, ela responde. E por quê? A jovem ri, nervosa, e pergunta a um parente em sua língua materna, parecendo consultá-lo sobre o que responder. “Porque vai trabalhar bem”, comenta. E por que não o outro candidato? “Porque é terruco, dizem, terrorista”, acrescenta. A mulher vestida à moda andina, com saia e trança, repete uma das falsas versões contra Castillo: que estava vinculado a remanescentes do grupo terrorista Sendero Luminoso ou a quem cumpriu pena por terrorismo e saiu da prisão.

O centro de Lima foi transformado em um parque temático com o professor Castillo como personagem principal. Um homem usa um boné de lã com aba de orelha. Uma palavra de quatro letras cruza o boné de ponta a ponta: “Peru”. Passou a tarde toda em uma encruzilhada vendendo artigos de propaganda do homem que está na boca de todos os peruanos, Pedro Castillo. Em um país onde ultimamente governaram pessoas com sobrenomes como Kuczynski, Fujimori e Humala, o dele é o que soa mais comum. Se o resultado provisório for confirmado, Castillo entrará nessa lista. O ambulante mostra aos transeuntes camisetas, tiaras e flâmulas com o rosto do professor rural.

O negócio vai bem. O personagem está em alta.

No entanto, um rapaz bem jovem interrompe sua captação de clientes:

— Se ele ganhar, vou perder meu emprego.

O ambulante se faz de surdo e continua seu trabalho.

— Estou no ramo de importação, insiste o rapaz.

Ele continua, sem dar atenção, até que não aguenta mais:

— Vá andando, rapaz, vá andando— diz, estimulando-o a ir embora.

O Peru está imerso em um diálogo de surdos.

Com informações do El País