Last updated on junho 13th, 2021 at 06:06 pm
Nancy Cabrera, dona de uma mercearia, chegou na manhã desta quarta-feira de ônibus à cidade grande. “Não vamos permitir que nosso voto seja roubado. Os corruptos estão entrincheirados há 30 anos. Ele é professor, líder sindical, agricultor, humilde. Vai zelar pelas serras”, diz sobre os lugares montanhosos, em geral, pobres, embora ao seu redor existam minas de ouro. Uma das reivindicações de Castillo é que as empresas extrativistas estrangeiras compensem melhor os habitantes dessas regiões.
Desde domingo seus seguidores estão posicionados em torno da sede de seu partido. Às vezes ele aparece na sacada e as pessoas enlouquecem. Castillo não é um orador brilhante, mas isso lhe dá uma certa autenticidade que o faz se conectar com as pessoas. Costuma-se dizer que Castillo é um espelho de seus eleitores. Seus comícios eram os mais cheios de gente. Marta Celi, advogada de Carabayllo, um bairro de Lima aonde chegou uma enxurrada de imigrantes vindos da selva e das montanhas, incluindo o próprio Castillo, que ali vendeu sorvetes, dorme a céu aberto em frente ao Júri Nacional de Eleições, órgão que irá decretar o vencedor oficial. “Estou cansada de tanta desigualdade e injustiça em meu país. Somos de um lugar humilde, com muitas necessidades de água e serviços”, explica. Perto dali, um retrato gigante de Castillo de terno e gravata, sem chapéu. Essa é a sua futura imagem de presidente. “Vamos esperar aqui até que se saiba o resultado. Até que ele ganhe.”
Do lado de fora de um supermercado, uma mulher de língua quíchua carregando seu bebê em uma manta nas costas ganha a vida vendendo doces em um bairro nobre de Lima. Em quem você votou? “Na Keiko”, ela responde. E por quê? A jovem ri, nervosa, e pergunta a um parente em sua língua materna, parecendo consultá-lo sobre o que responder. “Porque vai trabalhar bem”, comenta. E por que não o outro candidato? “Porque é terruco, dizem, terrorista”, acrescenta. A mulher vestida à moda andina, com saia e trança, repete uma das falsas versões contra Castillo: que estava vinculado a remanescentes do grupo terrorista Sendero Luminoso ou a quem cumpriu pena por terrorismo e saiu da prisão.
O centro de Lima foi transformado em um parque temático com o professor Castillo como personagem principal. Um homem usa um boné de lã com aba de orelha. Uma palavra de quatro letras cruza o boné de ponta a ponta: “Peru”. Passou a tarde toda em uma encruzilhada vendendo artigos de propaganda do homem que está na boca de todos os peruanos, Pedro Castillo. Em um país onde ultimamente governaram pessoas com sobrenomes como Kuczynski, Fujimori e Humala, o dele é o que soa mais comum. Se o resultado provisório for confirmado, Castillo entrará nessa lista. O ambulante mostra aos transeuntes camisetas, tiaras e flâmulas com o rosto do professor rural.
O negócio vai bem. O personagem está em alta.
No entanto, um rapaz bem jovem interrompe sua captação de clientes:
— Se ele ganhar, vou perder meu emprego.
O ambulante se faz de surdo e continua seu trabalho.
— Estou no ramo de importação, insiste o rapaz.
Ele continua, sem dar atenção, até que não aguenta mais:
— Vá andando, rapaz, vá andando— diz, estimulando-o a ir embora.
O Peru está imerso em um diálogo de surdos.
Com informações do El País