“Há um avanço significativo das forças transformadoras no Chile”, declara com convicção Irací Hassler, militante do Partido Comunista e recém-eleita prefeita de Santiago. Em entrevista à AFP, ela afirmou que o novo modelo de desenvolvimento deve ter como base “o bem viver e a dignidade”.O sorriso e entusiasmo são evidentes nessa economista feminista, 30 anos, desconhecida de grande parte da população até o último domingo, quando conquistou a prefeitura da comuna, de mais de 400 mil pessoas.Irací carrega a bandeira da transformação com direitos sociais, convencida de que a mobilização popular de outubro de 2019, sem convocação ou líderes, começa a ganhar forma com uma nova liderança.

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A prefeita eleita tem planos principalmente para aqueles que carecem de água e vaga nas escolas. Ela atribuiu os ares de mudança no Chile “a um momento de empoderamento coletivo, uma conscientização que, apesar de parecer que estava latente na sociedade chilena, expressa-se muito fortemente desde 18 de outubro, com um nível de organização muito grande”.

– Ventos favoráveis ao Partido Comunista –

A eleição de independentes e progressistas na Convenção Constitucional, no último fim de semana, bem como a forte representação política da esquerda e de mulheres nos níveis local e regional, marca “uma reflexão sobre um modelo injusto, o modelo neoliberal implementado estritamente em nosso país”, apontou Irací. “Hoje, surge a possibilidade de colocar o bem viver e a dignidade como principais elementos no centro de uma transformação rumo a um novo modelo de desenvolvimento”.

Os 155 constituintes eleitos são independentes, grande parte deles progressistas de esquerda, e cerca de 20% representam a direita. As novas figuras do Partido Comunista chileno provêm, em sua maioria, das manifestações estudantis de 2011, com a geógrafa Camila Vallejo, 33, hoje deputada federal, como um dos rostos mais visíveis nos protestos, que pediam um ensino gratuito e de qualidade.

Irací citou o avanço em nível local feito pelo Partido Comunista, em um país polarizado entre esquerda e direita, setor que agita o fantasma da expropriação da propriedade privada e evoca a pobreza antes do golpe militar de Augusto Pinochet (1973-1990), contra o presidente socialista Salvador Allende.

“Foram derrubados mitos em torno dos comunistas, que, hoje em dia, têm mais presença na discussão pública do país. Uma gestão comunista em um governo local pode transformar a vida das pessoas, e isso derrubou preconceitos”, assinalou a prefeita eleita.

– Elogio inesperado –

Outra surpresa da semana foi o elogio a Irací feito pelo presidente da influente Confederação da Produção e do Comércio (CPC), Juan Sutil, sócio do pai da prefeita eleita em uma produtora agrícola: “Seu avô foi um empresário importante, que viveu a crise de 1970-1973. Eles têm uma posição política diferente da de sua filha, que é uma mulher muito preparada. Estudou na Escola Suíça e na Universidade do Chile, é economista e acredito que, nas novas gerações, irá aplicar a racionalidade.”

Irací não dá atenção ao “ruído” na imprensa e disse estar focada em sua comuna, onde busca materializar o que aprendeu em quatro anos como vereadora. “Embora quem ganhe aqui seja uma militante comunista, o projeto que ganha não é apenas do Partido Comunista, e sim nasce genuinamente nos bairros de Santiago, em uma articulação social e política inédita.”

O pai de Irací, chileno-suíço, e sua mãe, brasileira, além de seus quatro irmãos, estão entre os que ficaram surpresos com sua vitória. “Assim como a imprensa e a população, eles não acreditavam que fosse possível. Estão felizes por termos ido bem, com tanto apoio”, comentou a prefeita eleita, fluente em três idiomas: espanhol, português e alemão. Sua luta nos novos movimentos feministas fez com que o novo conselho municipal que irá acompanhá-la tenha oito mulheres entre seus 10 membros.

Com informações da AFP