Direito penal e racismo foram o tema da décima terceira reunião da comissão de juristas formada pela Câmara dos Deputados (8/4) para propor mudanças na legislação e tornar mais eficaz o combate as diversas formas de racismo que persistem no Brasil. Alguns dos principais estudiosos de tema, e também magistrados que convivem com a questão no cotidiano, foram chamados a colaborar.
O desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia Lidivaldo Brito chamou atenção para as brechas na legislação que possibilitam a impunidade, como, por exemplo, o fato da injúria racial não ser equiparada ao crime de racismo, entendimento que está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal, e que, ele acredita, vai equiparar os dois crimes. Mas a principal reclamação do magistrado é o fato de que muitas penas mínimas previstas para os crimes raciais serem de apenas 1 ano de detenção, o que, pela lei atual, permite que os casos sequer sejam julgados. Ele sugere um aumento da pena mínima para 2 anos, como foi feito recentemente na lei de proteção aos animais, que também gerava altas taxas de impunidade.
“Depois da mudança na lei de proteção dos animais, acho que vamos ter que mudar, porque a pena para esse crime é maior do que um a para um delito de discriminação racial. Eu não sou punitivista. Mas, pelo menos, o autor tem que responder a um processo. Hoje ele não vai ser nem interrogado. A vítima não vai ser ouvida.”
O tema também foi tratado pelo advogado, escritor e professor de Direito Penal Luciano Góes, que foi mais contundente na sua crítica:
“A injúria racial deve ser excluída do Código Penal. A inclusão dos xingamentos racistas foi uma manobra da branquitude, para retirar a etiqueta de racismo. ”
Além do aprimoramento da legislação de combate ao racismo, outro tema ligado ao Direito Penal muito questionado foi o hiperencarceramento da população negra, que responde mais de dois terços do sistema penitenciário, exemplo claro de racismo estrutural que tem nas polícias seu mecanismo principal, segundo o Juiz de Execuções Penais do Amazonas Luiz Carlos Valois, que pesquisa o tema:
“Enquanto nós tivermos jurisprudência permitindo condenação apenas com base na palavra da polícia não vai resolver. É o policial que escolhe quem é traficante. Essa pessoa não vai ter defesa. ”
E a principal justificativa para o encarceramento de negros em massa é a guerra às drogas, inútil nas palavras do doutor em Direito Penal e professor da Universidade de São Paulo Maurício Dieter:
“No Brasil, a definição de alguém como traficante autoriza tortura, morte, prisão, com a leniência do MP e do Judiciário. ”
O professor da USP apresentou, com um conjunto de pesquisadores que orienta, uma série de propostas para alterações pontuais na legislação enquanto não é possível acabar com a guerra às drogas, que seria ideal na sua opinião. Propostas como a inclusão da vulnerabilidade entre os critérios para redução ou exclusão da punição; proibição de juris formado por brancos para julgar negros; câmeras individuais para filmar todos os policiais que fazem abordagens, como já determinado pelo Superior Tribunal de Justiça; delimitar o conceito de comportamento suspeito; acabar com os mandados genéricos de busca e apreensão em comunidades; ouvidorias com participação dos grupos que são vítimas de abusos policiais; entre outras medidas.
A desigualdade nas oportunidades e na repartição do orçamento público também foram destaque, sendo citado por vários debatedores que, apesar das cotas para negros serem um avanço, na ocupação das funções de chefia e confiança, prevalece uma maioria branca, oriunda das elites.
A advogada e ativista Luciana Zaffalon, da Plataforma Justa, deu o exemplo que no mesmo período que o sistema prisional de São Paulo viu o orçamento para saúde e higiene prisional perder R$ 35 milhões, os gastos do Tribunal de Justiça e Ministério Público do estado subiram mais de R$ 780 milhões. E que um valor insignificante é empregado em política de auxílio a ex-detentos.
“Hoje o estado de São Paulo, para cada R$ 400 gastos para manutenção do sistema prisional como ele é, apenas R$ 1 é investido em política de egressos. A gente está falando de um investimento enorme na porta de entrada do sistema prisional e quase nada na porta de saída. É urgente que a gente inverta esse funil de investimento, garantindo um mínimo de possibilidade de recolocação e acesso a direitos como documentos para quem deixa o sistema prisional. ”
A comissão de juristas é formada por 20 integrantes, todos negros, que têm até meados de abril para concluir trabalhos e apresentar a Câmara proposta de mudanças na legislação.
Com informações da Rádio Câmara