Dez almirantes da reserva foram detidos nesta segunda-feira (5) na Turquia após criticarem, em uma carta aberta, o projeto do “Canal Istambul”, estimulado pelo presidente Recep Tayyip Erdogan, em um país onde a menor ação política dos militares desperta recordações de golpes de Estado.

A Procuradoria Geral de Ancara anunciou que os dez almirantes da reserva estão detidos. Eles integram o grupo de 104 signatários de uma carta que alerta para a ameaça que poderia representar o projeto “Canal Istambul” para um tratado que garante a livre-circulação no Estreito de Bósforo.Quatro oficiais da reserva não foram detidos por sua idade, mas receberam ordens de comparecer à polícia nos próximos três dias.

Uma investigação judicial foi aberta contra os militares da reserva por “reunião com o objetivo de cometer um crime contra a segurança do Estado e a ordem constitucional”, informou a Procuradoria.

Entre os detidos está o contra-almirante Cem Gürdeniz, considerado o pai da polêmica doutrina da “pátria azul”, que prevê estabelecer a soberania turca em amplas zonas do Mediterrâneo leste.

A aprovação no mês passado na Turquia de planos para desenvolver em Istambul um canal de navegação comparável ao do Panamá, ou de Suez, provocou um debate sobre a Convenção de Montreux, que garante a livre passagem de navios civis nos Estreitos de Bósforo e Dardanelos.

– “Um tom de golpe de Estado” –

“Canal Istambul” é o mais ambicioso do que o presidente Erdogan chama de seus “projetos loucos”, que transformaram o país com novos aeroportos, pontes, estradas e túneis em seus 18 anos de poder.

O governo turco alega que o canal dotaria Istambul de um novo centro de interesse, além de aliviar o Bósforo, um dos estreitos mais congestionados do mundo. Mais de 18.000 navios atravessaram o local em 2018, segundo as autoridades turcas

Em sua carta, 104 almirantes da reserva expressam “preocupação” com o fato de o projeto gerar o início do debate sobre a Convenção de Montreux, que, no seu entender, “protege os interesses turcos”.

Altos funcionários do governo turco criticaram o texto dos militares por utilizar “um tom de golpe de Estado”.

“Há uma diferença entre expressar suas ideias e fazer uma declaração em tom de golpe de Estado”, denunciou no domingo o presidente do Parlamento, Mustafa Sentop.

“Não apenas os que a assinaram, mas também os que a estimulam, vão prestar contas à Justiça”, declarou Fahrettin Altun, secretário de Comunicação do presidente Erdogan.

Nesta segunda-feira, o ministro da Justiça, Abdulhamit Gül, insistiu na questão: “Vamos lutar contra esta mentalidade obscura. Não existe nenhum poder acima da vontade da nação”.

A intervenção dos militares na política é um tema muito sensível na Turquia, onde o Exército aplicou três golpes de Estado, entre 1960 e 1980, e durante muito tempo exerceu grande influência nos governos.

Depois de aprovar diversas reformas que reduziram consideravelmente o peso do Exército na política, Erdogan superou em julho de 2016 uma tentativa de golpe de Estado executada por militares e que, segundo ele, foi orquestrada pelo pregador Fethullah Gülen, exilado nos Estados Unidos.

Com informações da AFP