BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), voltou a cobrar do presidente Jair Bolsonaro mudanças na política externa brasileira, considerada pelo senador falha e que precisa ser corrigida para que o país tenha um Ministério de Relações Exteriores “que funcione”.
Pacheco se reuniu na manhã desta sexta-feira (26) com Bolsonaro, depois do primeiro encontro com governadores para tratar das demandas no âmbito do comitê nacional de enfrentamento à Covid-19.
Ao final do encontro, Pacheco disse ter externado novamente ao presidente a insatisfação com a política externa brasileira. O chanceler Ernesto Araújo é visto por Pacheco e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como um dos principais responsáveis por fracassos nas ações de combate à pandemia.
“A permanência ou a saída do ministro, de qualquer que seja ele, cabe ao presidente. O que nos cabe enquanto Senado, Câmara, enquanto Parlamento, é cobrar e fiscalizar as ações do ministério”, afirmou.
“E consideramos que a política externa do Brasil ainda está falha, precisa ser corrigida, é preciso melhorar a relação com os demais países, inclusive com a China, porque é o maior parceiro comercial do Brasil”, continuou Pacheco.
Segundo ele, Bolsonaro ouviu as críticas, mas não fez comentários nem sinalizou se o ministro será mantido ou substituído. “Com ministro A ou ministro B, o que importa é um ministério que funcione.”
Nesta semana, a insatisfação com a conduta de Ernesto à frente do Itamaraty ficou clara nas participações do ministro em sessões na Câmara e no Senado. O chanceler foi criticado e recebeu pouco apoio de aliados do presidente. Auxiliares de Bolsonaro dizem que a forma escolhida para pressionar pela troca de Ernesto foi agressiva e, na opinião deles, deve fazer o processo demorar mais.
Ainda segundo auxiliares, o presidente se irritou com o tom das críticas e em especial com declarações de Lira, que, na quarta-feira (24), chegou a falar de “remédios amargos” e “fatais” do Parlamento caso não exista, do outro lado, a “flexibilidade de ceder”.
Pacheco falou ainda sobre Filipe Martins, assessor para assuntos internacionais da Presidência, flagrado fazendo gesto obsceno e racista durante sessão do Senado em que acompanhava Ernesto. Martins, que se apresenta nas redes sociais como professor de política internacional e analista político, fazia um gesto que pode ser lido como “ok”, mas também como “vai tomar no c.”, especialmente no Brasil.
O gesto, no entanto, tem outra conotação para grupos de extrema direita dos Estados Unidos e foi classificado como “expressão da supremacia branca” pela Liga Antidifamação (ADL, na sigla em inglês), organização que monitora crimes de ódio naquele país. Os três dedos esticados simbolizam a letra “w”, que seria uma referência à palavra em inglês “white” (branco). Já o círculo formado representa a letra “p”, para a palavra “power” (poder). Ou seja, o símbolo é apontado como símbolo de “poder branco”.
“Conversamos a respeito disso muito rapidamente. Eu informei ao presidente da República que isso é objeto de um procedimento de apuração e de investigação no âmbito da Polícia Legislativa do Senado, que terá suas conclusões”, afirmou Pacheco. “E as consequências jurídicas deste fato serão obviamente existentes, serão apuradas, e as providências, tomadas.”
Pacheco reiterou que o Senado repudia qualquer “tipo de manifestação racista, de ato obsceno, gesto obsceno” e qualquer tipo de brincadeira de mau gosto, “caso tenha sido essa a intenção”. “Seja qual for a intenção, foi um comportamento completamente inapropriado”, disse.
Segundo o presidente do Senado, a polícia vai apurar o fato, a materialidade e a autoria, sugerir a tipicidade e encaminhar ao Ministério Público e ao Judiciário para que sejam tomadas providências.
Discípulo de Olavo de Carvalho, Martins é um expoente da ala ideológica do governo e considerado um dos arquitetos da política externa conduzida por Ernesto. Ele acompanha Bolsonaro em praticamente todas as agendas envolvendo autoridades estrangeiras e defendeu a orientação dada pelo chanceler no Itamaraty, incluída a política de antagonismo com a China.
De acordo com dois auxiliares do Planalto, Bolsonaro tem sondado Pacheco para saber se a saída de Martins do núcleo de influência da Presidência diminuiria a pressão pela demissão de Ernesto.
A estratégia, segundo um desses assessores, seria ressaltar o papel de Martins em decisões da política externa para demonstrar que, com a saída dele, Ernesto, um diplomata de carreira, estaria livre para conduzir questões internacionais de forma mais tradicional, menos ideológica, fazendo mudanças na postura em relação à China, ao governo do americano Joe Biden e às pautas do 5G e ambiental.
Martins, no entanto, não seria abandonado por Bolsonaro. Não está definido para onde ele iria, mas a ideia é alocá-lo em um cargo que não dependa de aprovação do Senado. No Planalto, citam como possibilidades entidades ligadas ao Itamaraty, como o IPRI (Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais) ou a Funag (Fundação Alexandre de Gusmão), um escritório da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) no Brasil ou no exterior, bem como um posto no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), nos Estados Unidos.
Os cargos no IPRI e na Funag, porém, são de carreira, e o Itamaraty tem regras que praticamente inviabilizam indicações externas. Ernesto poderia tentar brechas para garantir a nomeação, mas sua situação política é considerada frágil no ministério para tentar uma manobra dessas.