Embora o posicionamento do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro não tenha sido uma surpresa, o teor do voto ainda repercute no meio jurídico.

Na sessão desta terça-feira, 9, na Segunda Turma, o ministro atacou os principais redutos da Operação Lava Jato – a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba e a 7ª Vara Criminal Federal do Rio. Gilmar Mendes também defendeu mudanças na Justiça Federal que, em sua avaliação, ‘está vivendo uma imensa crise a partir deste fenômeno de Curitiba, que se nacionalizou’. As declarações provocaram reação da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e da Associação de Delegados da Polícia Federal (ADPF). Em tom mais duro, a Ajufe emitiu nota de protesto, alegando que as críticas são ‘infundadas’.

“É inadmissível que a instituição Justiça Federal seja atacada de forma genérica e agressiva por qualquer pessoa, sobretudo por um Ministro do Supremo Tribunal Federal em uma sessão de julgamento da corte”, diz o texto. “A Ajufe também não concorda com ilações desprovidas de qualquer elemento de prova contra Juízes Federais que atuam em outros processos, estranhos ao que estava sendo analisado pela 2ª Turma da Suprema Corte.”

Em entrevista ao Estadão, o presidente da entidade, juiz Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, afirmou estar preocupado com a ênfase que vem sendo dada a provas obtidas por meios ilícitos, referindo-se às mensagens do aplicativo Telegram obtidas em um ataque hacker. “Me preocupo com a ênfase dada a provas obtidas por meios ilícitos”, disse. “Isso é um grande risco. Os vazamentos acabam sendo fundamentos de decisão e isso pode ser um problema muito grande.”

Segundo ele, “a Justiça Federal é formada por homens e mulheres extremamente competentes, aprovados em concurso público, que fazem um trabalho de excelência reconhecido pelo mundo jurídico”. As acusações de Gilmar Mendes à 7ª Vara do Rio de Janeiro foram considerados especialmente duros. “A gente não pode concordar com isso. Isso é um voto, está dentro de um processo judicial. Não pode desferir ataques contra outros juízes. Nenhum juiz, quando escreve uma sentença, faz críticas ou comentários sobre processos que ainda estão correndo ou sobre coisas que ouviu falar”, argumentou Fernandes.

Polícia Federal

O presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Feliz Paiva, defendeu os trabalhos investigativos realizados pela Polícia Federal diante da possibilidade de o Supremo decidir que houve parcialidade do ex-juiz federal Sérgio Moro nos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entendimento que pode anular a o trabalho realizado por investigadores. O placar da decisão está 2 a 2 e o último voto será do ministro Kassio Nunes Marques, que pediu vista – ou seja, mais tempo para análise – na terça-feira, dia 9.

Caso o STF considere que Moro não era neutro para julgar Lula, toda a instrução penal realizada sob a supervisão do ex-juiz será anulada. Ou seja, serão anulados todos os atos de inquérito, as buscas e apreensões, os depoimentos, as conduções coercitivas, as perícias, as oitivas das testemunhas, as quebras de sigilo bancário e telefônico que foram realizadas sob a coordenação do Moro.

“Acredito que os trabalhos que a PF realizou podem ser aproveitados em um novo processo se não houver a prescrição (perda do prazo para processar Lula)”, afirmou Paiva. “Acredito muito nos trabalhos realizados pela Política Federal, que já tinha uma expertise nesse tipo de investigação, e não acredito que qualquer trabalho tenha qualquer tipo de vício.”

Ele alertou para o risco de prescrição dos processos: “Se o trabalho investigativo que foi realizado estiver contaminado por suspeição do Moro, será preciso fazer novamente o trabalho e deve haver uma chance muito grande de prescrição”.

Segundo Paiva, a atuação da PF é independente. “Só no afastamento de sigilos (bancário ou telefônico), é que o juiz acaba se manifestando. Então, acredito que o trabalho tenha sido feito de forma técnica e aí fica na mão do Judiciário dizer, se numa eventual declaração de suspeição do ex-juiz Moro esses trabalhos estarão contaminados”, disse.

Leia a íntegra da nota da Ajufe:

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) reitera seu compromisso com a defesa intransigente da independência judicial e do livre convencimento dos magistrados em todas as suas decisões. Eventuais equívocos ocorridos durante a tramitação de qualquer processo judicial podem ser resolvidos por meio do sistema recursal vigente.

Portanto, é inadmissível que a instituição Justiça Federal seja atacada de forma genérica e agressiva por qualquer pessoa, sobretudo por um Ministro do Supremo Tribunal Federal em uma sessão de julgamento da corte. Nosso trabalho é reconhecido e respeitado por toda a sociedade brasileira pela seriedade, eficiência e correção.

A Ajufe também não concorda com ilações desprovidas de qualquer elemento de prova contra Juízes Federais que atuam em outros processos, estranhos ao que estava sendo analisado pela 2ª Turma da Suprema Corte. Desferir críticas infundadas somente afrontam o equilíbrio das instituições e atentam contra a segurança jurídica.

Com informações do Estadão