Em audiência pública virtual da Comissão Externa que analisa as causas das queimadas no Pantanal e na Amazônia, o delegado Rubens Lopes da Silva, chefe da Divisão de Repressão a Crimes Ambientais e contra o Patrimônio Histórico da Polícia Federal, afirmou que a Polícia Federal atualmente tem boas condições para trabalhar nas investigações sobre crimes ambientais, mas trata-se de uma exceção entre os órgãos que trabalham na região, e fez um desabafo.
“Em 20 anos, quase, de combate ao crime ambiental, como delegado de Polícia Federal, eu nunca vi as agências tão desestruturadas, praticamente neutralizadas. A gente não pode mais contar com o ICMBio, com a Funai, com o MM, com o Ibama, com praticamente ninguém. A Polícia Federal é a última agência que, se fosse aparelhada, nós estaríamos sozinhos e a gente não pode nem partilhar muitas vezes os planejamentos das operações porque não tem segurança mais, vamos dizer assim. Me desculpe o desabafo, mas eu precisava fazer esse comentário.”
Segundo o delegado, a Polícia Federal, graças às novas tecnologias já disponíveis, vai conseguir monitorar diariamente o foco de incêndio desde o início, o que permitirá a mobilização imediata do poder público. O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que também coordena a Frente Parlamentar Ambientalista, lamentou a impunidade dos crimes ambientais.
“A gente tem um problema seríssimo no Brasil na área ambiental que se chama impunidade. As pessoas fazem aquilo que querem e simplesmente nada acontece. Os processos ficam anos e anos até prescreverem, então é uma situação muito complicada.”
O deputado exibiu dados do Mapiomas, o maior programa de monitoramento ambiental, depois do Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que atualizou dados de incêndios florestais, e aponta que 17% do território brasileiro pegou fogo nos últimos 20 anos. Quase um terço da Amazônia (28%) foi queimada e de tudo que foi queimado, quase 70% (68%) foram vegetação nativa e 32% áreas destinadas à agropecuária. Cerca de 330 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa foram queimadas uma vez e 195 mil quilômetros quadrados pegaram fogo pelo menos duas vezes. O deputado afirma que é fundamental que a investigação aconteça, mas que a Polícia Federal tenha a estrutura necessárias para enfrentar o problema. Segundo o delegado Rubens Lopes, a Polícia Federal nos últimos dois anos adquiriu novos equipamentos de geointeligência e tem pessoal em número suficiente para combater crimes ambientais, mas…
“O quê que está nos faltando? Tanto para a gente lidar dentro do ambiente amazônico, dentro do bioma pantaneiro, ou do cerrado, seja qual for, a gente tem uma carência muito grande de deslocamento. Por exemplo: o modal aéreo, em muitas vezes, durante grande parte do ano no bioma amazônico e pantaneiro, é a única forma para acessar o local onde está ocorrendo um crime ambientalmente. Já solicitamos já, encarecidamente, várias vezes, aquisições de helicópteros chamado AW 139. Esse é um equipamento que custa 20 milhões de euros, apenas esse equipamento, só temos um deles. Com mais dois AW 139 resolveríamos a questão fragrâncial, com incêndio no Pantanal, como reduziríamos em 50% o índice de desmatamento na Amazônia.”
A coordenadora da comissão externa, Professora Rosa Neide (PT-MT), disse que o colegiado fará uma cobrança oficial pelos dois helicópteros. O objetivo da reunião foi acompanhar os resultados das investigações sobre os incêndios florestais no Pantanal ocorridos em 2020. Ele explicou que foram instaurados quatro inquéritos policiais para investigar as causas dos incêndios que destruíram 30% do bioma do Pantanal. As quatro investigações tinham como alvo quatro fazendas e, com busca e apreensão, a polícia encontrou celulares que apresentam conteúdo com indícios de incêndios criminosos.
“Os incêndios não foram acidentais. Os incêndios foram propositais. Junto com a extração de dados dos celulares, onde havia diálogos que ainda estão sob sigilo de justiça, havia ‘coloque fogo ali’, ‘o Ibama está está próximo da fazenda vizinha, segure um pouco mais’. Então a gente tem fortíssimos indícios de autoria e materialidade do delito de incêndios provocados por essas fazendas.”
O delegado explicou que os laudos ainda estão sendo elaborados. Nos incêndios do ano passado a Polícia Federal não usava o sistema Planety, de monitoramento. Então foram imagens da Nasa que permitiram o início das investigações. Em resposta ao deputado Airton Faleiro (PT-PA), o delegado afirmou que não dá para afirmar que as queimadas de 2020 foram orquestradas.
“Se houve alguma coisa orquestrada por trás, eu não poderia dizer exatamente o termo, mas dentro do inquérito policial, a gente viu incentivos diretos, ‘incendeia aqui, não incendeia ali’. E todas as propriedades vizinhas a parques nacionais, e depois a gente viu a tragédia que aconteceu. Então não pareceu nada que fosse espontâneo ou acidente ou coisa da natureza.”
A coordenadora da comissão externa, deputada Rosa Neide, citou o projeto (PL 5269/20), sugestão do Ministério Público, que altera dispositivos do Código Florestal (§3º do art. 38) e muda o ônus da prova. Segundo o projeto, deve caber à autoridade a comprovação do local do início do fogo, e, ao proprietário ou possuidor, a comprovação de algum fator que exclua sua responsabilidade. O delegado afirmou que, com a tecnologia atualmente disponível, isso não seria necessário, e sugeriu a elaboração de um projeto que destine os produtos da apreensão de crimes ambientais para um fundo que reverta em investimentos em meio ambiente na própria região. Atualmente, os recursos vão para o cofre da União. Como exemplo, ele citou 200 milhões de reais em ouro ilícito apreendidos no Amazonas, que poderiam ser investidos em preservação ambiental.
O delegado prometeu enviar arquivos com informações técnicas sobre a linha do tempo do inquérito dos incêndios no Pantanal. Esta foi a segunda reunião extraordinária virtual da comissão externa destinada a acompanhar e promover estratégia nacional para enfrentar as queimadas em biomas brasileiros. A próxima está marcada para 29 de março que vai tratar das medidas reparadoras e preventivas dos incêndios ambientais.
Com informações da Rádio Câmara