Eleitor entrega voto por correspondência nesta quarta (20) para as eleições presidenciais de Portugal, que ocorrem em meio a lockdown — Foto: Pedro Nunes/Reuters
Marcelo Rebelo de Sousa é o favorito à reeleição, mas desgaste ocasionado pela pandemia pode levar a votação a um segundo turno.
As ruas quase desertas de Lisboa e das principais cidades portuguesas indicam que pode haver alta taxa de abstenção na eleição presidencial de domingo. Os portugueses estão confinados e ouvem à distância, dia e noite, o angustiante ruído das sirenes de ambulâncias transportando os doentes para os hospitais. O lockdown decretado às pressas há uma semana, reforçado pelo fechamento das escolas nesta sexta-feira, não mudou a data da votação, mantida por imperativos constitucionais.
Uma ironia é que os portugueses vão encontrar oito candidatos no boletim de voto. Isto porque que um dos concorrentes, Eduardo Baptista, que é logo o primeiro da lista, não se qualificou, mas acabou incluído na versão final do documento. Os boletins foram impressos antes da Comissão Nacional Eleitoral dar seu parecer sobre a regularização das candidaturas.
Para incentivar a participação de cerca de 9,8 milhões de eleitores registrados, incluindo 1,5 milhão no exterior, as autoridades eleitorais organizaram pela primeira vez um dia de votação antecipada no último domingo. Quase 200 mil eleitores responderam ao apelo, mas as imagens das longas filas que se formaram em frente a algumas seções eleitorais não surtiram o efeito tranquilizador esperado.
Favorito enfrenta desgaste na reta final
Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, em foto de 18 de março de 2020 — Foto: Miguel Figueiredo Lopes/Pool via Reuters/Arquivo
“Confinar não pode ser álibi para suspender a democracia”, disse. A prioridade do chefe de Estado num segundo mandato, se for reeleito, será combater a pandemia, afirmou em entrevista à RFI.
Mas o atual chefe de Estado, que foi comentarista de TV e alimenta um estilo de representante “próximo do povo”, além de conciliador na articulação política, sofreu um desgaste na reta final. Ele tem sido criticado por não ter antecipado o aumento de casos da Covid-19, provocado pelo relaxamento no Natal e pela variante inglesa do vírus.
A adversária Ana Gomes soube tirar benefício do ziguezague errático das autoridades em relação às medidas de prevenção. Caso seja eleita, a embaixadora e militante socialista promete aplicar, com transparência, os fundos europeus para que Portugal se recupere desta crise.
Extrema direita: segundo ou terceiro lugar?
André Ventura, candidato do partido Chega nas eleições presidenciais de Portugal, em foto de 9 de janeiro de 2020 — Foto: Patrícia de Melo Moreira/AFP
A principal surpresa da votação pode vir do populista de direita André Ventura. Depois de ter fundado o partido antissistema Chega há menos de dois anos, embora originalmente pertencesse à mesma sigla do presidente de centro-direita, este advogado de 38 anos conquistou uma vaga de deputado no Parlamento português em 2019, com 1,3% dos votos.
Um desempenho de 10% na presidencial seria um ótimo resultado para projetos futuros de Ventura, um adepto do culto da personalidade presente nas formações fascistas.
Com uma campanha centrada na retórica anticorrupção e críticas à Justiça, lembrando um certo Jair Bolsonaro, Ventura abusou dos comentários misóginos contra suas duas rivais e fez duras ameaças às minorias, principalmente contra ciganos.
Depois de dizer que Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, era “uma histérica” e se maquiava como “uma boneca”, por usar batom vermelho, Ventura gerou um movimento de repúdio nas redes sociais. Homens e mulheres passaram a se mostrar com a boca pintada de batom vermelho, em solidariedade a Marisa, acompanhados da hashtag #VermelhoemBelém.
Pesquisa
Servidores depositam votos coletados antecipadamente nas eleições presidenciais de Portugal, em foto de 20 de janeiro — Foto: Pedro Nunes/Reuters
Segundo a pesquisa SIC/Expresso, divulgada nesta sexta-feira, Rebelo de Sousa tem 58% de intenções de voto, contra 66% há um mês. A socialista Ana Gomes ganhou 1,5 ponto percentual e figura com 14,5% nessa sondagem, muito próxima de André Ventura, que recolhe 12,5% das intenções de voto, 3,5 pontos e meio a mais que em novembro. Entre os demais concorrentes, Marisa Matias e João Ferreira, que representam os partidos à esquerda do Partido Socialista, ficam bem atrás, com 6% das intenções de voto.
Basta uma abstenção de 70% para tornar um segundo turno quase inevitável, o que seria um revés para Rebelo de Sousa. Os quatro presidentes que Portugal teve desde o fim da ditadura salazarista, em 1974, foram todos reeleitos no primeiro turno. Nas circunstâncias atuais, um segundo turno é improvável, mas não impossível.
Mas o premiê está enfraquecido, depois de perder a sustentação de dois ex-aliados, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista. Caso a situação de Costa se complique, prejudicando a tramitação de projetos importantes para o país, Rebelo de Sousa, se reeleito, poderá cogitar a realização de eleições legislativas antecipadas. Poucos imaginam, no entanto, que uma crise política se some à dramática situação sanitária em Portugal.
Politibola com informações do G1
Por Ailton Cavalcanti