A “contaminação política” da vacinação contra o coronavírus pode atrapalhar o entendimento da população sobre a importância da imunização e comprometer a campanha nacional no Brasil, aponta o infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunização.

Nesta quarta (14), em reunião virtual com secretários estaduais de saúde, o Ministério da Saúde apresentou o cronograma para vacinação contra a Covid-19 considerando apenas a vacina da AstraZeneca.

O secretário de Saúde do governo de São Paulo, Jean Gorinchteyn, confirmou que o governo federal não liberou dinheiro para a compra da vacina CoronaVac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.

A gestão João Doria tenta negociar para que a CoronaVac receba verba federal para ser distribuída pelo SUS, caso seja comprovada a eficácia na terceira fase de testes.

Em entrevista à GloboNews nesta quinta (15), o especialista defendeu a necessidade de investimento em uma comunicação unificada, respaldada na ciência, sobre o processo de aprovação das vacinas e da campanha nacional, para garantir segurança à população.

“A contaminação política dessa discussão realmente não ajuda, atrapalha, e eu espero que com a vacinação a gente conte com uma comunicação melhor com a população do que nós tivemos até o momento em relação a tratamento, em relação a medidas preventivas. Senão, nós vamos ter dificuldades em vacinar a nossa população por desconfiança de uma vacina, de outra, de um partido político xenofóbico. Esse vai ser talvez um grande problema para nós enfrentarmos”, afirmou o especialista.

Para Kfouri, o contexto da pandemia no Brasil exige a ampliação das possiblidades de imunizantes e acordos.

“Se tivermos oportunidades de termos acordos bilaterais ou multilaterais com as produtoras isso só vai nos ajudar. Ajudar em ter uma gama maior de vacinas, de opções, de quantidades diferentes, eventualmente com perfis diferentes de resultados de segurança e eficácia. O momento não é eliminar, ou desprezar, ou não contar. Temos é que agrupar mais fornecedores e aumentas o nosso leque de oportunidades”, afirma o especialista.

O médico ainda destaca que a ciência é quem deveria pautar as decisões dos governantes e dos programas de saúde públicos, e não o contrário.

“Toda vez que a política entra na saúde, e a gente tem visto vários exemplos em diversos países, isso vai na contramão do que a ciência gostaria”, pondera.

Entretanto, ele não acredita que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) poderá colocar entraves ao andamento dos testes e aprovação da vacina chinesa por conta de embates políticos entre o governador Joao Doria (PSDB) e o presidente Jair Bolsonaro.

“Não acredito que a Anvisa, um órgão extremamente sério, reconhecido internacionalmente, com histórico nesse país de fidedignidade nas suas decisões, de absoluta transparência e clareza, terá algum tipo de problema.”

Coronavac

O governo de São Paulo assinou um contrato com os chineses para receber 46 milhões de doses da CoronaVac até dezembro.

A previsão é que o total chegue a 60 milhões até fevereiro de 2021 e a expectativa era que, com o dinheiro do governo federal, o total pudesse chegar a 100 milhões.

O governador de SP, João Doria, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, e representante do laboratório Sinovac durante assinatura de acordo no Palácio dos Bandeirantes — Foto: Reprodução/TV Globo

Jean Gorinchteyn afirma que o governo ainda negocia para que o dinheiro seja liberado e que Doria deve ir a Brasília conversar diretamente com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

“A gente vai receber esses 60 milhões, serão 61 milhões de doses até o final de fevereiro, com uma possibilidade de termos mais 40 milhões até maio. Essas 61 milhões de doses estão garantidas. As demais, para que chegue a 100 milhões, é que se tornou inviável a aquisição pelo Butantan, por uma questão econômica”, explicou.

Questionado sobre o que o estado pretende fazer caso o governo federal mantenha a posição de não comprar doses da CoronaVac, Gorinchteyn disse que há um plano para que a imunização seja feita em âmbito estadual.

“Nós temos um plano de imunização para o estado, se isso acontecer. Mas eu reforço, não é isso o que nós queremos. Nós queremos que a vacina seja do Brasil, e não de São Paulo. Nós gostaríamos de estender essa vacina para brasileiros e gostaríamos de colocá-la pelo Sistema Único de Saúde para ser distribuída no programa nacional de imunização”, afirmou.

Acordo SP e Sinovac

O acordo para a compra de 46 milhões de doses foi assinado por Doria e Weining Meng, diretor do laboratório Sinovac, durante coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes. No mesmo evento, o governador anunciou que a vacinação de profissionais de saúde deve ter início em 15 de dezembro.

Governo de SP assina contrato para a compra de 46 milhões de doses da vacina chinesa
Governo de SP assina contrato para a compra de 46 milhões de doses da vacina chinesa

No entanto, o governador não esclareceu se esse valor é relativo apenas à compra das 46 milhões de doses que devem chegar em 2020, ou se também inclui doses que devem ser entregues apenas em 2021. Doria também não afirmou se o valor de 90 milhões de dólares se soma aos R$ 85 milhões que, em junho, o governo estadual declarou que havia pago pelo acordo.

Vacina para todos os brasileiros

O governador de São Paulo já prometeu que toda a população do estado vai receber a vacina contra a Covid-19 até fevereiro de 2021. Ele disse que há um “plano alternativo” para o estado de SP, caso não haja acordo com o governo federal para a distribuição nacional.

“Aos brasileiros de São Paulo, sim, garanto que teremos a vacina, a CoronaVac, para atender a totalidade da população de São Paulo, já ao final deste ano e ao longo dos dois primeiros meses de 2021, e vamos imunizá-los”, disse Doria em 21 de setembro.

O estado de São Paulo tem cerca de 44 milhões de habitantes, segundo o IBGE. Os testes da CoronaVac em voluntários, no entanto, são feitos com duas doses da vacina por pessoa.

Liberação com 50% de eficácia

Dimas Covas já declarou que o governo de São Paulo vai pedir para a Anvisa a liberação de uso emergencial da Coronavac caso a vacina demonstre eficácia de pelo menos 50% em análise preliminar.

eficácia de 50% não é, necessariamente, o objetivo final da vacina, mas um valor mínimo a ser obtido em uma análise interina que deve ocorrer até novembro. Essa análise compara quantos voluntários tiveram coronavírus entre aqueles que tomaram a vacina e aqueles que tomaram placebo.

O estudo de fase 3 divide os voluntários em dois grupos iguais: metade dos participantes toma a vacina e a outra metade, um placebo. Os participantes não sabem a qual grupo pertencem. Para que a análise interina da Coronavac seja feita, é necessário que pelo menos 61 casos de Covid-19 ocorram entre os 13 mil voluntários, sejam eles membros do grupo que tomou vacina ou do chamado grupo de controle.

O estudo deve ter ainda uma segunda análise, chamada de análise primária, que é feita quando o número de casos confirmados de Covid-19 entre os 13 mil voluntários chegar a 154 casos.